QUEIROZ, Eça de - SINGULARIDADES D'UMA RAPARIGA LOURA. Brinde aos Senhores Assignantes do Diario de Noticias em 1873. Lisboa, Typographia Universal de Thomaz Quintino Antunes, Impressor da Casa Real, 1874. In-8.º (17 cm) de 144 p. ; B.
1.ª edição.
Livrinho da apreciada colecção Brinde do "Diário de Notícias". O presente número é composto por 5 histórias amenas onde o fantástico se cruza com o histórico, da autoria de algumas das mais destacadas personalidades do panorama literário da época, incluindo um conto do fundador e proprietário do DN - Eduardo Coelho -, destacando-se no entanto dos demais a primeira edição absoluta de Singularidades d'uma rapariga loura, de Eça de Queiroz - que ocupa as primeiras 40 páginas - sendo esta uma das suas primeiras produções bibliográficas impressas em livro.
"Em 1872 Eça de Queirós é nomeado cônsul de Portugal em Havana e parte para as Antilhas. Enceta, depois, uma longa viagem pela América do Norte, tendo viajado pelos Estados Unidos (Nova Orleans, Filadélfia, Chicago, Nova Iorque) e pelo Canadá, onde visita Montreal. Em 1874 o Diário de Notícias publica no seu «Brinde» anual, o seu primeiro conto de grande fôlego, «Singularidades de uma rapariga loira», já marcado pelo normas realistas que pretende adoptar."
(Fonte: http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=7266)
Vale a pena dar conta de um pormenor que muito ilustra a veia irónica e "realista" de Eça nesta pequena novela, publicada pouco tempo após as Conferências do Casino: a dada altura, no início do conto, que infra reproduzimos excerto, refere: "o facto é - que eu, que sou naturalmente positivo e realista..." Touché!, - ironia e profissão de fé.
"Escrito em 1873 e publicado em 1901 num volume de contos do autor, Singularidades de Uma Rapariga Loira é geralmente apresentado como o primeiro conto realista em português e uma das obras-primas de Eça de Queiroz. Nele se conta a história do amor de um jovem honesto e trabalhador, Macário, por Luísa, uma rapariga loira de «carácter louro como o cabelo - se é certo que o louro é uma cor fraca e desbotada: falava pouco, sorria sempre com os seus brancos dentinhos, dizia a tudo "pois sim"; era muito simples, quase indiferente, cheia de transigências». Macário apaixona-se por essa rapariga aparentemente dócil, etérea e sem vontade própria, a ponto de sair de casa do tio Francisco, para quem trabalhava como escriturário, e ir até Cabo Verde em negócios, só para merecer casar com ela. No entanto, Luísa é de facto uma rapariga loura e singular..."
(Fonte: Wook)
"Começou por me dizer que o seu caso era simples - e que se chamava Macario...
Devo contar que conheci este homem n'uma estalagem do Minho. Era alto e grosso: tinha uma calva larga, lusidia e lisa, com repas brancas que se lhe errissavam em redor: e os seus olhos pretos, com a pelle em roda engelhada e amarellada, e olheiras papudas, tinha uma singular claresa e rectidão - por traz dos seus oculos redondos com aros de tartaruga. [...]
Era isto em setembro: já as noites vinham mais cedo, com uma friagem fina e secca e uma escuridão apparatosa. Eu tinha descido da dilligencia, fatigado, esfomeado, tiritando, n'um cobrejão de listas escarlates.
Vinha de atravessar a serra e os seus aspectos pardos e desertos. Eram 8 horas da noite. Os ceos estavam pesados e sujos. E, ou fosse um certo adormecimento cerebral produzido pelo rolar monotono da dilligencia, ou fosse a debilidade nervosa da fadiga, ou a influencia da paisagem descarpada e chata, sob o concavo silencio nocturno, ou a oppressão da electriciade, que enchia as alturas - o facto é - que eu, que sou naturalmente positivo e realista, - tinha vindo tyrannisado, pela imaginação e pelas chimeras. [...]
Mas eu estava assim, e attribuo a esta disposição visionaria a falta de espirito - a sensação - que fez a historia d'aquelle homem dos canhões de velludilho. A minha curiosidade começou á ceia, quando eu desfazia o peito de uma galinha afogada em arroz branco, com fatias escarlates de paio - e a creada, uma gorda e cheia de sardas, fazia espumar o vinho verde no copo, fazendo-o cair de alto de uma caneca vidrada: o homem estava defronte de mim, comendo traquillamente a sua geléa: perguntei-lhe, com a bocca cheia, o meu guardanapo de linho de Guimarães suspendo nos dedos - se elle era de Villa Real.
- Vivo lá. Ha muitos annos - disse-me elle.
- Terra de mulheres bonitas, segundo me consta, disse eu.
O homem callou-se.
- Hein? tornei.
O homem contrahiu-se n'um silencio saliente. Até ahi estivera alegre, rindo dilatadamente, loquaz, e cheio de bonhomia. Mas então immobilisou o seu sorriso fino.
Comprehendi que tinha tocado a carne viva de uma lembrança. Havia de certo no destino d'aquelle velho uma mulher."
(Excerto de Singularidades d'uma rapariga loura)
Contos:
Singularidades d'uma rapariga loura, por Eça de Queiroz | O primeiro amor (conto phantastico), por Marianno Froes | Firme-Fé, por Oliveira Pires | A Peste Negra, por Gomes Leal | A condessa do Carregal, por Eduardo Coelho.
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Pequenas falhas e defeitos. Falha de papel na lombada. Com mancha antiga - desvanecida - nas primeiras folhas do livro.
Raro.
Indisponível
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