16 maio, 2023

RECORDAÇÕES -
Á MEMORIA DO NOSSO QUERIDO FILHO ANTONIO CORRÊA MEXIA DE MATTOS
Nascido em Loulé no dia 5 de junho de 1891 e fallecido em Lisboa no dia 5 de novembro de 1911. Fallecido quasi á mesma hora em que tinha nascido com muito poucos minutos de differença. Dedicam Seus inconsolaveis paes. [S.l.], [s.n. - Typ. «A Editora Limitada» - Lisboa], [1912]. In-8.º (19,5 cm) de XIII, [1], 190, [2] p. ; [1] f. il. ; E.
1.ª edição.
In memoriam do jovem louletano António Correia Mexia de Matos patrocinado por seus pais, com a colaboração de amigos e admiradores do malogrado escritor.
Obra fora de mercado, para oferta, por certo com tiragem reduzidíssima, ilustrada em separado com um retrato de António de Matos. Trata-se do repositório de crónicas e artigos dispersos do jovem prosador sobre os mais diversos assuntos - sobretudo relacionados com o "seu" Algarve - com uma verve e desassombramento incomuns para a idade. Destaque para o "sentimento" posto no retrato do Fado - a canção nacional -, e na descrição da Coimbra estudantil.
Exemplar autografado pelo pai do escritor com dedicatória pungente a Carlos Cândido Pereira, condiscípulo de seu filho.
"Foi tão cruciante a dôr que sentimos ao ver evolar-se para sempre de ti o sopro da vida que te animava; foi tão rude o golpe vibrado ao nosso coração de paes, que tanto te idolatravam, que por algum tempo ficámos aturdidos e alheios a tudo o que que nos cercava... [...]
 Porque é que, contando apenas vinte annos, havias de desaparecer para sempre d'este  mundo d'enganos, sendo, como eras, um carinhoso filho, um irmão extremoso e um dedicado amigo?! [...]
Como piedosa homenagem á tua memoria, as produções litterarias que deixaste dispersas em varios jornaes e outras ineditas, colligimos neste livro, que não é destinado á venda publica, mas sim para ser offerecido aos teus e nossos amigos e, por isso, estes desculparão quaisquer incorrecções que nelle encontrem, porque têem que atender a que foram escritas, uma grande parte, em tenra edade e quando os teus conhecimentos litterarios oficiaes não iam alem do terceiro anno do lyceu e todas ellas dos quatorze aos vinte annos e do primeiro ao sexto anno do curso do lyceu.
Reunimos tambem a opinião da imprensa e de alguns amigos, a teu respeito. [...]
Nas regiões misteriosas para onde tão permaturamente partiste recebe esta singela homenagem e com ella as muitas lagrimas e saudades de teus desditosos paes."
(Excerto de Carta ao nosso filho)
"Se ha musicas que fazem vibrar na noss alma todos os sentimentos que possuimos, o fado é incontestavelmente uma d'ellas.
A italia com as suas affamadas operas; a Hespanha com as suas caracteristicas zarzuelas não interpretam melhor a psychologia dos seus povos, do que Portugal com o Fado.
Porque o fado, essa canção caracteristicamente portugueza, é acolhida com impetos de entusiasmo onde quer que se oiça e n'esses impetos parece que vae toda a alma dum portuguez, desfeita em pedaços, pelas vibrações mobidas do tanger duma guitarra. Sim, o fado é ouvido em toda a parte com os mesmos estuosos arrebatamentos, desde o mais sumptuoso palacio, onde, nas rumorosas abobadas, ecôam as suas notas, até á mais humilde mansarda, onde ellas se espalham, deixando no ar uma sonancia dolencia.
O fado tem o poder magico de interpretar os sentimentos da dôr, ou da alegria, que enlaceiam uma alma, pois que elle tangido languidamente numa guitarra faz percorrer no nosso corpo fremitos de estonteamento e produz-nos nevroses que, desaparecendo, deixam-nos emergidos numa doce e suave lethargia.
Elle, umas vezes, vem acompanhado d'alegria e vivacidade, outras vem envolvido em tristeza e melancolia; mas, quer venha duma maneira, quer doutra, o fado arranca-nos sempre expressões de enthusiasmo e sabe incutir-se na alma, ora arrebatadora, ora melancolicamente. [...]
Eu nunca me hei-de esquecer do conjuncto de linhas phisionomicas que apresentava o rosto dum misero cego que n uma feira tocava o fado numa guitarra velha. Cada desferimento dos seus dedos sobre as cordas, parecia vir acompanhado dum rajo de luz, soltos desses olhos, onde pairava para sempre o espesso nevoeiro da desgraça..."
(Excerto de O Fado)
Encadernação inteira de percalina com ferros gravados a seco e a ouro na pasta anterior e na lombada. Conserva a capa de brochura, que foi colocada depois da f. ante-rosto, precedendo a f. rosto.
Exemplar em bom estado geral de conservação. Manuseado.
Raro.
35€

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