AMORIM, Francisco Gomes de - AS DUAS FIANDEIRAS : romance de costumes populares. Lisboa, David Corazzi - Editor: Empreza Horas Romanticas, 1881. In-8.º (16,5 cm) de 390, [2] p. ; E.
1.ª edição.
Romance
de costumes rurais. Trata-se de uma das mais apreciadas e invulgares
obras do autor que escolheu a sua terra natal - Avelomar (A-Ver-o-Mar) -
para epicentro da acção.
O
presente exemplar terá pertencido ao próprio Gomes de Amorim, dado
ostentar aquele que julgamos ser o seu carimbo pessoal na folha de
ante-rosto, bem como correcções do texto a tinta ao longo do livro.
"Ha
na formosa provincia do Minho uma freguezia rural denominada S. Thiago
de Amorim, que se compõe de numerosas aldeias. Entre todas estas, avulta
Avelomar, como a maior e mais bella pela sua posição. Está situada em
planicie ampla, cortada por muitos riosinhos, semeada de fontes e
arvoredos, que dão aos seus campos, sempre verdes e floridos, os aspecto
de jardim vistosissimo.
Nada
ha mais pittoresco e alegre do que essa povoação. De todos os lados se
avista a fita azulada das aguas do oceano, orlando a terra, desde o
sudoeste até ao norte."
(Excerto do Cap. I, Avelomar)
"N'um
domingo, do anno de 1845, seriam apenas oito horas da manhã, estava já a
capella de Nossa Senhora das Neves atulhada de gente. Fazia calor, e as
portas achavam-se todas abertas de par em par. Sem embargo de respeito
religioso, com que todos os habitantes, á excepção das beatas, se
conservam sempre nas egrejas do Minho, e em Avelomar principalmente,
notava-se ali não sei que vaga animação, n'aquelle dia; e todos
cochichavam, mais ou menos. Como era cedo, e o padre não tinha vindo
ainda para a sachristia, o sussurro da conversa ia crescendo de instante
a instante. Unicamente os homens velhos fallavam pouco: todo o mulherio
parecia agitado; esquecia-se completamente dos rosarios, e ficava longo
tempo com as boccas colladas nos ouvidos das vizinhas; as raparigas
casadas de pouco, olhavam com inquietação para os maridos; as solteiras,
que não podiam córar mais, por serem naturalmente da côr das romans,
mordiam os beiços de despeito, notando a impaciencia com que os rapazes
olhavam para as portas.
Evidentemente,
Avelomar estava commovida. A entrada de toda a população para a
capella, uma hora antes da missa, era acontecimento que nunca se tinha
dado desde que o mundo é mundo. Homens e mulheres haviam voltado as
costas ao altar, o que era desacato estupendo; mas ninguem deu por elle.
[...]
O
padre Manuel entrou na sachristia e começou a revestir-se. Com a sua
vinda cessou o borborinho; mas ninguem se virou para o altar; todos os
olhos continuaram tenazmente a interrogar as portas.
Repentinamente, uma corrente electrica percorreu a multidão.
Duas
mulheres, envoltas em grandes capas escuras, entraram pela porta da
travessa. Apezar de estar tudo cheio, os homens esmagaram-se uns contra
os outros, e abriu-se largo espaço, onde cabiam á vontade as
recem-chegadas. Estas ajoelharam-se, com as costas para a porta, de modo
que podiam ver e ser vistas de todos os lados."
(Excerto do Cap. II, Anna e Rosa Estella)
Francisco Gomes de Amorim (Avelomar, Póvoa de Varzim, 13 de agosto de
1827- Lisboa, 4 de novembro de 1891). "Poeta, jornalista e dramaturgo
português, emigrou com dez anos para o Brasil, tendo sido caixeiro, em
Belém do Pará. Vítima dos maus tratos de patrões portugueses, Gomes de
Amorim fugiu para o sertão amazónico, onde por acaso encontrou, na
cabana de uma família indígena, o poema Camões, de Almeida Garrett,
episódio que dá início à sua vida de poeta, conforme relata no prefácio
autobiográfico de Cantos Matutinos (1858). De volta ao Portugal, em
1844, depois de dez anos de ausência, estreita a relação de amizade que une
Gomes de Amorim a Almeida Garrett, que tendo publicado o Romanceiro e
Cancioneiro Geral, em 1843, irá influenciar o amigo e discípulo na
valorização da cultura popular. A essa primeira influência soma-se a das
Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, em 1871, que irão
desembocar no movimento nacionalista de valorização do mundo rural,
enquanto repositório das raízes da Nação. É nesse contexto impregnado de
amor à Pátria e de preservação das tradições populares que desponta As
Duas Fiandeiras, “romance de costumes populares”, publicado por Gomes de
Amorim em 1881 (embora escrito em 1866), pela prestigiosa editora de
David Corazzi de Lisboa, dentro do selo “Horas Românticas”. A
dedicatória da obra, evocação da paisagem amazónica, e a geografia da
narrativa, a Avelomar natal, configuram as duas pátrias às quais o autor
dizia pertencer. Retratados com fidelidade e verosimilhança, os tipos
humanos que povoam As Duas Fiandeiras vêm ao encontro da caracterização
regionalista nos quadros do realismo-naturalismo, ao mesmo tempo em que
respondem pela idealização de uma ruralidade mítico-simbólica, com a
qual se inicia a narrativa: “Ainda lá não chegaram os esplendores e os
vícios da civilização, que ilustra e corrompe tudo (...)”.
(Fonte: Biblioteca Digital)
Encadernação coeva em meia de pele com nervuras e ferros gravados a ouro na lombada. Sem capas de brochura.
Exemplar
em bom estado geral de conservação. Cansado, com falhas de pele na
lombada, sobretudo nas extremidades. Miolo sólido, com ocasionais
manchas de acidez.
Raro.
Indisponível
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