29 setembro, 2023

MENDONÇA, Henrique de -
REINO DOS CÉOS : romance
. Porto, Empreza Litteraria e Typographica - Editora, 1904. In-8.º (18,5 cm) de 443, [5] p. ; E.
1.ª edição.
Interessante romance provinciano cujo acção decorre no Algarve, entre Albufeira e Boliqueime, tendo início pouco tempo antes do casamento entre duas conhecidas figuras do meio local, -Amélia e Filipe, - noivos de longa data. Um terceiro elemento - João da Silveira -, aristocrata algarvio residente em Lisboa, vem "baralhar" os sentimentos da moça.
Dois capítulos do livro incluem descrição das festas da Senhora das Dores, em Boliqueime, com o seu "carro triumphante" (carro de mulas enfeitado a papel de cor, iluminado com balões venezianos, transportando um coro composto por um grupo de raparigas vestidas de branco), as loas e a procissão em honra da Virgem, configurando tudo um elevado interesse histórico, regional e etnográfico.
Quanto ao autor - Henrique de Mendonça (não confundir com Henrique Lopes de Mendonça), pouco (ou nada) foi possível apurar. A BNP dá conta de algumas obras de teor africanista de "um" Henrique José Monteiro de Mendonça (1864-1942), empresário e proprietário colonial, não sendo possível, no entanto, garantir que é a mesma pessoa. Será natural do Algarve? O conhecimento da região e suas tradições evidenciam, no mínimo, uma forte ligação ao sul do país.
"Como a manhã estivesse muito clara, d'uma transparencia lendaria, Amelia abriu as janellas de pár em pár. Debruçou-se; aspirou longamente o ar, com desejo, voltou-se para dentro exclamando:
- Que lindo dia, mamã!
Dentro ouviu-se um rumôr de saias sacudidas. E depois d'um curto silencio uma voz ergueu-se, num suspiro:
- é verdade! Está um céo lindo...
Amelia levantou os olhos sorrindo. No espaço claro, cendrado, nuvens dormiam. Cahia do alto, rijamente, um calôr abafado. Pela rua estreita, enodoada, batia um sol largo e vivo. A cal das paredes faiscava, cheia de cõr, derramando luz. Na fachada da casaria, rasgada de manchas brancas, os predios fronteiros, assomados a nascente, talhavam polygonos, sombras negras e esquadradas. [...]
Naquelle momento, encostada de leve ao parapeito, a palma da mão apoiando a face, os olhos em vão, a attitude de Amelia resplandecia e graça. Era com effeito muito linda. O rosto, ovalado, sonhador, evocando bellezas subtis, traduzia serenas recordações, illuminando sempre por um sorriso leve, que mais levemente lhe desatava os labios immateriaes. Era loura, e era magnifica. Os cabellos abundantes, soltos pelas espaduas áquella hora da manhã, humidos ainda do banho, emolduravam-lhe o rosto claro numa áuréola d'ouro, em fios d'ouro, em molhos d'ouro. Era d'essas mulheres louras de quem se diz que teem faces como rosas, de tal forma a sua côr é transparente, fresca e macia."
(Excerto do Cap. I)
"O dia da Senhora das Dores surgiu limpido, luminoso, d'um azul claro e firme, banhado de um sol macio que não ardia, e punha nos campos, nos arvoredos, extensas manchas doiradas.
E essa tarde, esperada com attenção por Elisa e por Amelia chegou finalmente. Tinham assentado para assistir á festa, em Boliqueime, reunirem-se á porta de Amelia, e d'ali partirem, gozando o ar doce e avelludado do cahir do dia. A entrada na aldeia, ao anoitecer, ao relampejar dos primeiros foguetes, seria assim deslumbrantemente agradavel. E por toda a noite, do terrasso do velho prior, assistiriam á festa, vendo o fogo, ouvindo a musica, o povo, a gritaria, emquanto que sobre as suas cabeças as estrellas tranquillamente brilhariam na pureza immaculada do céo azul do Algarve."
(Excerto do Cap. IV)
Encadernação recente em meia de percalina com ferros gravados a ouro na lombada. Conserva a capa de brochura frontal.
Exemplar em bom estado de conservação.
Raro.
Sem registo na BNP.
Indisponível

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