25 agosto, 2020

SAUSSAY, Victorien du - MEMORIAS D'UMA PARTEIRA. (As victimas do amor). Trad. de Bernardo d'Alcobaça. Lisboa, Typographia Lusitana Editora, 1909. In-8.º (20 cm) de XIX, [1], 311, [1] p. ; E.
1.ª edição.
Obra proibida de circular na época. Trata-se de uma narrativa com forte pendor moralista e laivos de erotismo, em contracorrente com os dictames da época.
"A virtude nem sempre é bella; é, muitas vezes, uma coisa cruel.
Ha pessoas virtuosas que não são admiraveis e que ninguem deve imitar.
Certos crimes hediondos são o resultado d'uma virtude tão barbara, tão impediosa e nefasta, que merecem a piedade e a absolvição.
N'uma sociedade hypocrita e má todo o individuo tem o direito de  proceder livremente, mesmo contra a lei, dado que não leze o proximo. [...]
A maior parte das leis que dirigem o procedimento das mulheres foram naturalmente elaboradas pelos homens; são, portanto, odiosas. Cerebros de cretinos ou de féras produziram monstruosidades. [...]
E  a mulher tão sómente ficará livre dos velhos grilhões que, successivamente, a algemaram, no dia em que fôr unica senhora do corpo, quando puder dispôr incondicionalmente, voluntariamente, da faculdade que a natureza de impoz de copular.
A sociedade creou o casamento legal, mas creou egualmente a mãe illegitima.
No primeiro caso o filho é, ou pode ser acolhido jubilosamente; no segundo, mesmo antes de nascido, as injurias alliam-se aos máus tratos, e a mãe como o filho envolvem-se n'uma mortalha de vergonha e ignominia.
Emquanto a sociedade fôr a madrasta que fere, pune e emporcalha, a mulher terá o direito de não querer ser mãe.
Crime! dirão. Qualquer mulher, seja ella o que fôr, não tem o direito de privar a sociedade de um individuo! Mas tem essa sociedade o direito de sacrificar, immolar á sua virtude hipocrita essa mulher, seja ella o que fôr?
Que a sociedade se transforme, se quer que a mulher execute a sua funcção maternal; para colher é necessario semear.
Presentemente, no começo do seculo XX, se qualquer pobre rapariga, que amou ou foi seduzida - o amor e a seducção podem ser egualmente seguidos de abandono - fica gravida, é expulsa do seio da familia, vulgarmente abandonada pelo amante, insultada e vilipendiada pela sociedade, privada dos meios de ganhar a vida, porque nenhum trabalho que confiam. A que recorrerá? Quaes são as esperanças d'essa creatura enfraquecida, martyrizada pela gravidez? Tem de escolher duas soluções: o suicidio ou o abortamento.
Há ainda uma terceira, que não é mais seductora do que as outras: a prostituição, com a falsa independencia que lhe é inherente. Algumas desgraçadas optam por ella, e a sociedade nem por isto lhes quer peor.
Ha crimes de abortamento que são admiraveis sacrificios de commiseração. Escrevi propositadamente este livro - livro que não me dará a sympathia nem a estima dos que fazem profissão de ser os mais puros d'entre os humanos, o que pouco me importa - escrevi este livro, suggestionado pela necessidade de dizer, corajosamente, e expor, lealmente, o que pode passar-se, em certos momentos, no coração d'uma mulher digna e d'uma mulher corajosa. Simula-se ignora, muito propositadamente, que uma parteira é, acima de tudo, uma mulher, quer dizer um ente essencialmente sensivel, exageradamente sujeita a deixar influenciar-se, capaz de sentir e de vibrar, logo que lhe toquem o nervosismo, logo que appelarem para os seus sentimentos. Ninguem aprecia com inteira imparcialidade as situações em que muitas vezes se vê collocada; ninguem sabe os logros macabros de que é victima.
Uma mulher narrou-me com empolgante franqueza algumas das peripecias tristes da sua soberba existencia. Conta vinte e oito annos de serviços excepcionais. Aparou nas mãos vinte mil creanças, ttalvez mais. Quantos a conhecem, estimam e respeitam.
Este livros encerra essas peripecias lamentaveis da sua vida, a historia simples das horas consagradas ás victimas do amor, e as victimas do amor são anjos."
(Excerto do Prefacio)
Encadernação simples, cartonada, em meia de percalina. Sem capas de brochura.
Exemplar em bom estado geral de conservação. Páginas amarelecidas por acção do tempo, com uma outra mancha.
Raro e muito curioso.
Indisponível

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