22 agosto, 2020

CEBOLA, Luiz - ALMAS DELIRANTES. [Por]... Director-Clinico do Manicomio do Telhal. Lisboa, Comercial Grafica, L.da, 1925. In-4.º (24 cm) de 194, [4] p. ; [17] f. il. ; B.
1.ª edição.
Viagem ao "mundo" dos alienados empreendida por Luís Cebola (1876-1967), conceituado médico alcochetano do primeiro quartel do século XX, especialista em doenças do foro mental.
Livro ilustrado com 17 fotogravuras intercaladas no texto, incluindo o retrato do autor.
"Ha vinte anos, iniciei as minhas viagens através dum outro mundo.
Jamais me embrenhei nessas regiões bisarras, sem registar uma nota interessante que me ajudasse a desvendar os misterios da Vida e da Morte.
Trilhando ocultas verêdas, muitas vezes me julguei incapaz de prosseguir; mas, a certa altura da jornada, surpreendia aspectos e panoramas tão atraentes, que, no regresso, abraçava satisfeito a meditação àcêrca dos homens e das coisas. Foi assim que comecei a compreender o sentido verdadeiro dos factos, assinalados no ciclo das existencias que dantes reputava obscuras.
No convivio com as almas de esse mundo abandonei todas as vaidades. Desci então ao abismo onde se esconde a noite; e de lá trouxe a coragem inalterável que desarma os perigos e amacia os obstáculos.
A flor magnifica da Filosofia desabrochára em meu ser. Agora já eu podia demandar o Palacio encantado.
Um dia logrou penetra-lo, enfim, a labareda que me consumia o espírito, retemperando-o para as lutas da Verdade.
Postas em jogo as minhas virtudes de criatura adaptavel, debrucei-me na Varanda Ideal sobre a multidão estranha.
Analisei-a.
Emocionei-me.
Vi o pensamento voar aos páramos do Infinito Vi as concepções atingirem as grandesas inegùaláveis. Vi as trévas faulharem as fulgurações do genio.
Assisti ao desenrolar dos sentimentos: ora suavíssimos, como um arroio cristalino, ora encapelados em vagalhões que tudo subvertem na sua queda. [...]
A plástica e o ritmo tinham as suas demonstrações funambulescas.
E, a fechar o cortejo, a cavalgada nevoenta dos indigentes de sol, de amôr e de energia. Sombra, indiferença, afrrapo. A miseria suprema das consciencias apagadas. O esquecimento. A cinza. O túmulo. Nada.
Foram estas impressões, colhidas nos departamentos da Loucura que me sugeriram este livro destinado àqueles que os desconhecem. Acharão nele algumas das mil facetas dos espíritos que desvairam."
(Excerto do Proemio)
"Quando na estrada que vai do berço á campa, nós presentimos o perigo iminente da queda final, logo, por instinto, mobilisamos os recursos máximos da defesa: apenas alguns tresloucados resolvem ficar á margem, devorando-se a si próprios.
O mineiro a esburacar as entranas da Terra; o fogueiro tressuando á boca da fornalha; o medico no ataque aos infinitamente pequenos que semeiam o flagelo das epidemias; o mergulhador devassando as profundesas abissais; todos, em suma, não obstante arrastarem o pesado madeiro da crucificação saúdam a Vida, com os lábios afeitos ás lamentações pungentes; enamoram-se dela, com os olhos já cansados de tantos horisontes sinistros; e entretecem-lhe corôas de rosas, com as mãos que amortalham dia a dia os altissimos ideais.
Este apêgo á existencia manifesta-se igualmente nos alienados cuja euforia se mostra ilimitada, enquanto as familias lhes desejam a morte.
Singular contraste, pondo em relevo uma ironia amarga!"
(Excerto de Na fronteira da Morte)
Indice do texto: Proemio. | Onde se encontra a Felicidade. | Mascaras. | Na fronteira da Morte. | Paraisos artificiaes. | O Amor. | Aparições macabras. | Sátira e filosofia. | Os Lobisomens. | A Moral. | Revivescência. | Historia triste. | As Bruxas. | Sombras fugidias. | Museu. | A Serpente do Mal. | Cantor boemio. | Dialogos. | Onde se esconde a maior Dôr.
Luís Cebola publicou em 1925 o volume Almas delirantes, onde apresentava diversas psicopatologias não de um ponto de vista médico-científico, mas elaborando retratos metafóricos e líricos, demonstrando que a perceção que tinha sobre os doentes ultrapassava a de objetos de estudo científico, constituindo um processo de identificação, empatia e compaixão. Cebola definia os estados psicopatológicos por oposição à normalidade, salientando, todavia, que estas doenças poderiam surgir em qualquer indivíduo, funcionando o livro simultaneamente como um aviso aos leitores. O volume permitia-lhe ainda divulgar o Museu da Loucura, que criara na Casa de Saúde do Telhal, e a arte dos seus pacientes, colocando-se assim na posição de mensageiro entre o universo fechado do hospital psiquiátrico e a sociedade portuguesa.
(Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0104-59702018000100143&lng=en&nrm=iso&tlng=pt)
Exemplar brochado, por abrir, em bom estado geral de conservação. Manchado de humidade, no pé e à cabeça, com maior relevância no início e no final do livro.
Raro e muito curioso.
Indisponível

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