Folheto de cordel dedicado à desgarrada, ou "cantigas ao desafio", manifestação popular entre nós arreigada há muito. Sobre o assunto, e a este folheto em particular, não resistimos a, com a devida vénia ao Prof. Carlos Nogueira, reproduzir parte de um artigo da sua autoria com o título Cantiga ao desafio e estetização da fala: natureza, modalidades, funções, cujo link infra disponibilizamos.
"A complexidade e a diversidade das relações entre tradição e criação, voz e escritura encontram-se exemplarmente actualizadas no conjunto poético cantado, recitado, improvisado, a que em Portugal se dá sobretudo a designação de cantiga ou cantar ao desafio, desafio, cantiga ou cantar à desgarrada, desgarrada, despique ou cante a despique. Nesses contextos de competição poética ritualizada de viva voz, antes de mais de natureza lúdica ou evasiva, mas também pragmática e psicanalítica, cada cantador aspira ser declarado vencedor, após conseguir o agrado e os aplausos do público. Espaços e situações de interacção como os largos das aldeias, as feiras, as tabernas, os cafés, as festas e as romarias são os mais apropriados para a manifestação dessas contendas, acesos espectáculos ao vivo, com muito de demanda de afirmação social, capazes de atrair a atenção apaixonada de inúmeros assistentes. [...]
A presença de um folclorista num desafio, apto a proceder à gravação, só ocasionalmente se verifica, a não ser nos encontros combinados, embora, nessas circunstâncias, o desafio não possa ser considerado absolutamente autêntico. Ou melhor, para não entrarmos em purismos: trata-se de um tipo particular de desafio, cada vez mais enquadrado na sociedade tecnológica e ultramediatizada que é a nossa (referimo-nos, por exemplo, aos desafios organizados por académicos, dentro de conferências nacionais ou internacionais). Não é por isso de estranhar que muitos dos desafios com fixação tipográfica procedem inequivocamente apenas de um autor que fingiu o encontro dramático, como por exemplo em Novas cantorias para serem cantadas ao desafio entre Manuel e Maria, de João Zero."
(https://pdfs.semanticscholar.org/7b84/e946adadd449bb3527084a5832552b
ELE
Ora vivam lá senhores,
Nesta grande reunião
Onde a paz e são contento
Enche de satisfação
Nossos peitos alegres
Transbordando o coração.
ELA
Cantador, bemvindo sejas
Á festa que hoje aqui temos;
Pois uma vez que aqui vens
É bom que todos gozemos
Tua voz encantadora
O que agora aqui faremos
ELE
Não te excedas cantadeira
Na tua apreciação;
É bem verdade que eu canto
Com boa satisfação
Quando assim estou agrupado
Em tão alegre mansão.
ELA
Deixa lá esses brinquedos
P'ra quem deles precisar.
Todos aqui já conhecem
O que vales a cantar,
O ensejo é excelente
P'ra te pudermos gosar.
(Excerto das Cantorias)
Exemplar brochado em bom estao geral de conservação. Capas frágeis com defeitos marginais.
Raro.
Sem registo na BNP.
15€
Sem comentários:
Enviar um comentário