BELLEM, A. M. da Cunha - SCENAS CONTEMPORANEAS DA VIDA ACADEMICA : quasi-romance da actualidade. Por... Lisboa, Livraria Central - Rua do Ouro : Coimbra, Mesma Casa - Rua da Calçada, 1863. In-8.º (19x12,5 cm) de XVIII, 328, [8] p. ; B.
1.ª edição.
Narrativa de época sobre a azáfama e costumes da comunidade académica coimbrã, importante contributo em forma de romance para o conhecimento do viver e estúrdia dos estudantes da Universidade em meados do século XIX.
Raro e muito interessante, sendo que o autor reclama para si o pioneirismo da descrição das "aventuras" estudantis da actualidade, já que, segundo ele, as poucas publicações do género reportavam a tempos passados, como O estudante de Coimbra (1840-41), de Guilherme Centazzi.
"Não póde hoje um obscuro escriptor entregar aos baldões da publicidade a mais insignificante producção do seu engenho, sem vir antecipadamente explicar ao público os motivos e circumstancias que a isso o determinaram. [...]
Ahi vão pois as minhas explicações:
Diz o auctor ao público, em geral, o que fez e como o fez. Tentando descrever as scenas da vida intima da academia contemporanea, creei para isso dos typos, que, se, por um lado, são filhos da imaginação, por outro são os representantes de acções muito verdadeiras, acontecidas entre os estudantes. [...]
O author declara por que fez e para que fez as Scenas contemporaneas. É de todos bem sabido, que aquelles, que têm cursado a Universidade, gostam de lêr tudo quanto a ella diga respeito. As descripções, que lhe fazem das colicas e do acto, - da cabra e do estudo, - das diversões e passeios, - d'esta e d'aquella rua, por onde tanta vez passaram, têm sempre para elles encantos inexplicaveis!... O encontrarem em letra redonda estas reproducções das scenas da sua vida academica, é como uma especi de alpondras, por sobre as quaes a memoria, despertada pela leitura, vae atravessando o lethes do passado!
Foi este um dos motivos que mais me decidiu a compôr estas Scenas; além de que, sendo a vida academica tão fertil em aventuras, não me consta que ninguem as historiasse completamente, pelo menos em relação á actualidade.
O prefacio da Mulher pelo sr. Sequeira Barreto é lido com avidez por todos os que têm transposto a porta ferrea encadernado n'uma capa e batina.
O estudante de Coimbra, ou relampago da historia portugueza é apreciado por todos os que, apezar de sua extrema raridade, têm a dita de o alcançar; e finalmente não ha ninguem que fôsse uma vez a Coimbra e que não tenha lido o Palito metrico e a Cabologia.
E comtudo nenhum d'estes livros satisfaz ás exigencias da actualidade: estes dois ultimos porque nos relatam scenas do que foi e do que já não existe. [...]
Havia pois uma lacuna e era preciso enchel-a! Era preciso contar ao público, que não conhecia a nossa vida, que
«Era uma vez um ........
Estudante aventureiro,
Tanto farto de feição
Quanto falto de dinheiro;
Este sem ter um real
Pisou os frios geraes
....................................»
e tudo o mais que o jocoso Malhão de si mesmo conta.
Era preciso dar este alegrão aos pobres bachereis formados de ha pouco, que, lá do seu cantinho domestico, lembram apenas com uma saudade indefinida e vaga os bellos dias das suas rapaziadas, enviando um adeus saudoso ao tempo dos seus tempos, como diria um author da Pheniz renascida.
E finalmente era preciso mostrar aos bachareis formados d'outras eras, que a sua Coimbra já não é a mesma d'outr'ora; que, apezar de não ter mudado de posição na carta geographica, tão differente está do que era, que com difficuldade elles a conheceriam. Que ao seu tanger das tristes, especie de toque de recolher academico, chama-se hoje o tocar da cabra, que os arcos do correio tão seus conhecidos já não existem; que os caloiros tão victimados n'outros tempos alcançaram carta de alforria e nem uma caçoada soffrem já! N'uma palavra, era mistér fazel-os scientes das modificações, trazidas pelo progresso, desde os botequins e batinas-casacos até á metamorphose dos verdeaes e das mantilhas!... E os bons dos velhotes gozariam tambem a sua hora de prazer a comparar as suas antigas rapaziadas de boa feição com as nossas partidas e pandigas de agora; entretendo-se a contemplar aquillo, que, no estudante é e será sempre immutavel, como colicas, extravagancias, e faltas de dinheiro!"
(Excerto da introdução - Cavaco prévio)
"São 18 de Julho de 185*. O tempo está magnifico, apezar de um excessivo calor, que faz andar tudo em braza. O relogio da Sé acabava de annunciar dez horas e os sinos da Universidade erguiam aos ares os seus hymnos festivaes. Coimbra preparava-se para uma d'essas festas mil vezes repetida, mas sempre cheia de encantos para os seus habitantes, que ou vêem n'ella a realisação do seu mais querido sonho, ou o fastigio da gloria, a que póde subir algum seu parente ou amigo. Era um capello.
A festa do capello é em si a coisa mais insipida do mundo; mas é sempre grande a concorrencia tanto dos filhotes como dos estudantes, a ponto de encherem completamente a sala grande, chamada dos capellos."
(Excerto de I - Um capello)
António Cunha Belém (1834-1905). "Político e jornalista português, António Manuel da Cunha Belém nasceu a 12 de dezembro de 1834, em Lisboa. Em 1858, formou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra e, em seguida, seguiu a carreira militar, na qual atingiu o posto de general. Desempenhou um papel importante no setor da saúde, fazendo parte de diversas comissões oficiais e participando em várias conferências. Para além disso, foi deputado no Parlamento, diretor da Escola Maria Pia e diretor do jornal A Revolução de Setembro. O jornalista realizou ainda críticas teatrais, com o pseudónimo de Cristóvão de Sá, redigiu comédias, operetas, zarzuelas e dramas, como O Pedreiro Livre (1876), de conteúdo maçónico e anticlerical. Faleceu a 12 de março de 1905, em Lisboa."
(Fonte: Infopédia)
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Por aparar. Capas frágeis, algo sujas, com defeitos e pequenas falhas de papel.
Muito raro.
Indisponível
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