SÁ, D. Anna Maria Ribeiro de - MATHILDE. Romance original. Com um prologo do Ill.mo e Ex.mo Sr. M. Pinheiro Chagas. Bibliotheca Universal : Dedicada ao visconde de Castilho - N.º 9. Lisboa, Lucas & Filho, 1874. In-8.º (17,5x11,5 cm) de 277, [3] p. ; E.
1.ª edição.
Interessante romance baseado em factos do conhecimento da autora, cujas descrições assentam, nas palavras de Pinheiro Chagas, em "sobriedade de bom gosto, uma reserva elegante". Bem redigido, algo ingénuo, primeira obra da autora escrita em "plena fôr da vida", trata-se de um exemplo típico do romantismo literário.
"Quem não conhece, ao menos por tradição, a Varzea de Collares?
É delicioso aquelle sitio cheio de sombras e do frescura, como um idylio namorado. A agua corre alli, torcendo-se em graciosos meandros no seu leito todo bordado do flôres. As arvores dobrando-se do um para outro lado da corrente enlaçam os troncos amigos e a hera vem logo estreitar esta alliança, lançando-lhes por cima os seus abundantes festões. [...]
Ao pé da repreza ha um espaço sombreado pelos ramos de formosos platanos e onde se reunem todas as pessoas que vem de Cintra e de Collares passar algum tempo no logar mais ameno de quantos ha pelos arredores d'esta villa.
Ahi estavam ha bem poucos annos, sentadas nos bancos de pedra collocados á sombra das arvores, algumas pessoas e entre ellas duas, cuja historia talvez tenha algum interesse para quem deseja estudar o coração humano nas suas innumeraveis contradições.
Tinham dado duas horas e era chegado o momento em que as elegantes de Cintra vem passeiar até á Varzea. N'aquelle dia, fosse porque fosse, era pequena a concorrencia e apenas trez ou quatro familias tinham vindo para o favorito ponto de reunião. Só nos demoraremos a descrever as duas figuras mais importantes do grupo.
Uma d'ellas era um homem de sessenta annos, alto e robusto, com uma d'essas physionomias em que se lê como n'um livro aberto. São tão raras as caras assim! Tinha as feições bem accentuadas, e, apezar das rugas que lhe cortavam a fronte larga, e dos cabellos brancos, que abundantes lhe emmolduravam nos anneis de prata as fontes pensadoras, conheciam-se-lhe ainda vestigios de uma belleza varonil, que os pezares e o tempo não tinham podido apagar de todo. A cabeça tinha-a elle um pouco inclinada para traz com um gesto cheio de naturalidade, nos olhos pretos e brilhantes luzia a intelligencia e a franqueza; não usava barba alguma e a bocca desenhava-se-lhe graciosa, deixando perceber uma certa tendencia para a ironia fina, que, bem combinada, nem sempre prejudica a bondade; o nariz era aquilino. [...]
O homem de quem acabamos de esboçar o retrato, chamava-se Pedro da Silveira; passeiava encostado á sua bengala, e só interrompia o passeio para vir de vez em quando parar um instante diante de uma menina, que sentada desfolhava uma rosa sobre o liso espelho das aguas, onde se perdia o seu olhar distraído.
Esta menina era sobrinha de Pedro da Silveira e chamava-se Luiza. Teria pouco mais de dezoito annos e era bella; não da belleza sensual e robusta d'essas formosas estatuas em que só a custo se divisa o espirito, mas do outra mais elevada em que as feições são apenas um diaphano véo, atravez do qual scintilla a formosura d'alma. Era formosa, formosissima até, mas Rubens não a saberia retratar; só Raphael acharia nas suas paletas divinas o segredo de transportar para a tela toda a etherea expressão d'aquelle rosto angelico."
(Excerto do Cap. I)
"O visconde de Lorval era um elegante do primeira ordem, e parece-me que muito pouco mais. Não tinha feia figura e o seu rosto poderia até chamar-se formoso, se não fosse a nullidade intellectual, que a natureza, ajudada pela educação, tinha gravado nas suas feições, bellas, mas frias, porque raras vezes as aquecia a chamma do pensamento.
O visconde julgava-se muito intelligente e muito instruido. Era um d'estes papagaios da civilisação, que aprendem nas modernas encyclopedias tanto quanto é preciso para estar pouco mais ou menos á altura de todas as conversações, que se podem travar na sociedade. Aprendem do cór meia duzia de nomes proprios, uma certa quantidade de bons pensamentos, e algumas definições scientificas, que sabem empregar menos mal. Ordinariamente os sabios d'esta tempera são bastante habeis para se retirarem a tempo quando o terreno começa a ser escabroso, e quando das generalidades se passa a questões mais positivas, em que só a verdadeira sciencia não faz naufragio. O peior é que o apparato falso com que se apresentam engana muito, e estes eruditos improvisados passam ás vezes por homens muito instruidos.
O visconde de Lorval tinha tambem a pretenção de falar muito bem francez. Despresava profundamente a lingua materna, e para elle uma pessoa que não falasse francez e que não tivesse maneiras do parisiense, era pouco mais de um aborto."
(Excerto do Cap. II)
Encadernação coeva em meia de pele com ferros gravados a ouro na lombada. Sem capas de brochura.
Exemplar em bom estado geral de conservação. Mancha de humidade desvanecida, à cabeça, acompanha as primeiras 10 páginas do livro.
Raro.
Indisponível
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