ROSA, Marques - TRES MULHERES (novelas historicas). Prefácio de Julio Dantas. Lisboa, Depositaria a Empreza Portugal-Brazil [Composto e impresso na Tip. do Instituto - Sernache do Bonjardim], [1921]. In-8.º (17x11,5 cm) de [4], 203, [5] p. ; B.
1.ª edição.
Conjunto de três novelas históricas tendo como protagonistas, cada uma delas, uma mulher "lendária" em diferentes épocas da história nacional, reportando a primeira à lenda de Gonçalo Hermigues, o Traga-Mouros, cavaleiro templário, companheiro de armas de D. Afonso Henriques, e a sua amada Oureana (Fátima). Livro interessante, de leitura agradável.
Ilustrado com três bonitas capitulares, uma por novela.
Inclui no final um glossário dos termos antigos utilizados pelo autor.
"Do alto do minarete da masejad (mesquita) de Al-Kassr-bun-abu-Danés (Salatia, Urbs Imperatoria - Alcacer do Sal) o muezzin debruçado nos balustres, rodeando a bôca escancarada com as mãos em campânula, lançou o apêlo, gritado na sua lingua, vagaroso e cantante:
«Só Deus é Deus e Mahomét o seu profeta: - Orai.»
Como se apenas esperasse que os ultimos écos do brado se apagassem, ondulando pelas quebradas do rio e pelos recôncavos da várzia, o sol espreitou por cima das cumiadas da Serra das Chagas e da Serrinha os corucheus da mesquita e dirigiu para as glaucas e arrepiadas aguas do Chetawir (Sado) as primeiras flechas de luz.
N'este comenos desaportilhou-se lentamente, com estrépito de trancas e guinchos de roldanas, a porta de ferro aberta ao Leste da muralha; e uma alegre cavalgada irrompeu e serpeiou, descendo a congosta que vinha dar á veiga extendida a montante do rio, ao Norte e ao Oriente da povoação.
Mancébos e donzelas, a jovial mocidade da opulenta capital de Al Kassbr vozeavam, parolavam, trocavam salamaleks e cortesias, vibrando o ar ambiente de ruidos d'estribilhos e saturando-o de perfumes de laranjeira e nardo. [...]
Acoudelava a turba das mulheres, a filha do kaid d'Al Kassr.
Quinze anos. Estatura esbelta. Busto onduloso. Contornos amplos. Na côr mate da pele a bôca fendia-se curta, abrindo os lábios rubros sobre os dentes pequeninos, brancos de nacar. [...]
Em tôrno d'ela agruparam-se os moços almuades enamorados e volteiros.
E a joven castelã ria d'êles, com um riso sonoro e soluçado, desnorteando-os com a sua irónica desenvolvura."
(Excerto de Fátima)
"Na sexta feira 17 de janeiro de 1578, o senhor bispo conde D. Manuel de Menezes voltou-se a meio na grande cadeira de jacarandá com o assento e o alto espaldar de coiro lavrado de Córdova, tauxiado de prata. Acomodôu sôbre as rebeldes farripas de cabêlo já grisalho, o solideu roxo. Sofraldou um pouco a samarra e puxou de leve os cordões da murça.
Antes de falar, fixou sucessivamente a queixosa e o arguido. Depois tornou a medir com o olhar a queixosa.
Era ela uma destas criaturas de idade imprecisa, tanto aparentando 25 como 40 anos, que nunca tiveram ao menos aquêle período de frescura que caracteriza os primeiros tempos seguintes á puberdade.
Não tinha contornos.
Toda a figura era angulosa, dura de linhas, espalmada. [...]
Era esta criatura filha do grande matemático Pedro Nunes, lente de Prima nos Estudos Gerais de Coimbra."
(Excerto de Guiomar)
"Acabára tempestuosamente a refeição da manhã.
Tinham as madres do convento de Santa Clara de Vila Real começado apenas a dispersar do refeitório para o lavabo erguido com a sua dupla concha no claustro, quando a garria de bronze entrou de tanger a capítulo.
Em volta do tanque, as freiras dividiram-se imediatamente em dois bandos. As mais velhas, com as mãos metidas nas mangas dos habitos cinzento, sorriam irónicamente. As mais novas e as noviças, torcendo as mãos brancas, quasi diáfanas, cheias de aneis, e gesticulando com violencia, batiam de quando em quando o lagêdo polido com os sapatinhos de tacão de perdiz, altos tacõis pintados de vermelho, fivelados de oiro ou prata com pedras preciosas, e arremessavam para a nuca os veus negros da Regra."
(Excerto de Soror Clara)
Índice:
Fátima. (Século XIII) | Guiomar. (Século XVI - 4.º Quartel) | Soror Clara. (Século XVIII - 1.º Quartel).
Policarpo Marques Rosa (1864-1927?). "Natural de Pederneira, Nazaré. Ilustre filho adoptivo de Alvaiázere. Apesar de não ter nascido no concelho de Alvaiázere, adoptou Alvaiázere como sendo a sua terra natal, pois foi aqui que viveu a maior parte da sua vida. Desempenhou vários cargos, entre eles, presidente do Senado Municipal, Administrador do Concelho de Alvaiázere, Director do Hospital e do Grémio Alvaiazerense, durante a Primeira República.
Como activista republicano fundou, na vila de Alvaiázere, os semanários “O Combate” e o “Pátria Livre”, dos quais foi seu director e seu principal redactor, sendo colaborador nos semanários “A Voz da Justiça” e “Gazeta da Figueira”, ambos da Figueira da Foz.
Marques Rosa foi um escritor erudito, escreveu vários romances históricos sobre diversas personagens de épocas diferentes, o que o obrigou a fazer muita investigação no Arquivo Nacional/Torre do Tombo, Lisboa. No entanto, o seu estilo literário na época estaria muito longe do modernismo emergente, pois estava muito próximo dos escritores Júlio Brandão e em particular de Júlio Dantas.
Este nosso conterrâneo foi um nome sonante no seu tempo, viveu uma vida intensa e multifacetada, foi um republicano convicto, advogado, notário, solicitador, arquitecto, politico, investigador, escritor, prosador, ensaísta, jornalista e poeta."
(Fonte: https://terrasdaribeirinha.wordpress.com/category/policarpo-marques-rosa/)
Exemplar em brochura, bem conservado.
Raro.
Com interesse histórico e literário.
45€
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