NUNES, José Coelho Moreira - O SYMBOLISMO COMO MANIFESTAÇÃO DA DEGENERESCENCIA. These inaugural apresentada e defendida perante a Escola Medico-Cirurgica do Porto. Por... Famalicão, Typographia Minerva, 1899. In-8.º (21 cm) de [16, 94, [4] p. ; E. 1.ª edição.
Ensaio crítico sobre a degenerescência associada ao Simbolismo, movimento literário e artístico em voga na época.
Trata-se da tese de licenciatura do autor - muitíssimo curiosa e algo insólita - apresentada à Escola Médico-Cirúrgica do Porto, depois Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Exemplar muito valorizado pela dedicatória autógrafa do autor "Ao seu condiscipulo e amigo Dr. Alberto Placido".
"A mythologia do norte continha o dogma terrivel do crepusculo dos deuses. Mas, se os deuses
já ha muito se foram, chega hoje o nosso espirito a
inquietar-se com um crepusculo dos povos, em que
todos os soes e todas as estrellas se apaguem lentamente, e os homens, no meio da natureza que
morre, vão tambem perecendo com todas as suas
instituições e todas as suas obras. Assim Max-Nordau caracterisa o estado da alma moderna, em que
um mal-estar indefinido e vago, um descontentamento universal, enche todas as manifestações da vida.
Parece a humanidade evoluir n'uma phase de transformação profunda, destruidas pela base as antigas instituições, reconhecidas impotentes para dar
a felicidade, ao menos para fazer a existencia supportavel. [...]
Assim na philosophia que é a synthese universal do conhecimento, derivada de três fontes distinctas, a rasão baseada sobre a experiencia, o sentimento intuitivo, e a imaginação, e n'isto se distingue
da sciencia especial, da arte e da religião que separadamente se dirigem a cada uma das tres fontes
do conhecimento, os ultimos systemas fizeram a
confusão com a sciencia, e quebraram os laços que
a ligavam á metaphysica, que é o lado logico da
philosophia. [...]
O mal vem do excesso de civilisação.
Mas será possível fazer retroceder a humanidade na sua marcha?
Nenhum espirito são o poderá conceber. A verdade tem de ser procurada no ainda ignorado, tem
de ser inventada.
Mas é principalmente na litteratura como a
primordial manifestação da vida intellectual, producto directo do pensar e sentir da epocha, pois que
a philosophia já é ou pretende ser, a theorisação da
vida, dando a rasão de ser, tentando explicar, achando os motivos, e tirando as formulas, é na litteratura que primeiro se reflectiu, e actualmente mais
se reflecte o desgosto do existente, o descontentamento da geração contemporanea. Toda a litteratura do fim do seculo passado glorifica a volta ao estado de natureza, e só por ser differente d'aquelle
em que se era obrigado a viver. [...]
Tambem nas bellas artes se nota a mesma incerteza, tanto mais que é n'este ramo da actividade
cerebral, por mais individual, que mais se accentua
o caracter de desiquilibrio de que soffre o artista.
Em vez do amor sereno e são da natureza, do culto exclusivo da belleza, em que se aprazia a arte
antiga, corrigindo muitas vezes o modelo, a arte
moderna, dizendo-se observadora do real, pinta o
defeituoso, comprazendo-se, por um requinte de
inconsciente aberração, em reproduzir o feio e o
trivial. [...]
Que isto tudo sejam manifestações d'uma só e
mesma doença, bem se deixa vêr. A verdade é que
o homem está gasto da civilisação.
Nas condições actuaes da existência tem de
dispender uma energia sobrehumana, trabalhar de
mais, para não ser esmagado na concorrencia. A
lucta pela vida tornou-se um combate feroz, e ha
mister ou de ser-se forte e vencer, inutilisando os
competidores, ou de desertar, deixando-se preterir. [...]
E como hoje tudo se faz d'uma maneira vertiginosa também rapidamente um organismo, e por
graças de hereditariedade, uma geração se desequilibra, degenera, se torna inutil, quando não prejudicial. O esgotamento é um facto geral, e a doença
que o traduz é bem a doença do seculo. É esta a
degenerescencia, e n'um grau mais attenuado os
nevroses. Este mal-estar geral, este descontentamento, a incerteza e a duvida em que se debate a
actual geração, que enche todas as manifestações
da vida contemporanea, é pois a manifestação da
degenerescência da epocha.
Ora como no campo litterario a ultima manifestação d'esté estado geral de incerteza e transformação, com o completo despreso e abandono do
passado, na ancia de encontrar a formula nova, que
se adapte, ao estado de momento, é sem duvida o
apparecimento do symbolismo, d'interesse é o seu
estudo sob o ponto de vista da psycologia pathologica, para a sua entegração no quadro degenerativo. Tanto vale como qualquer das manifestações da
actividade humana que soffre da mesma doença,
correspondendo a um estado de momento, modificavel e em plena transformação como a mesma geração que a produz. Pois a formula d'arte, sendo
creação do espirito, não póde ser nada de absoluto,
antes adaptar-se-ha á evolução ou involução d'este.
E assim é progressiva ou regressiva, são ou
doente. É doença o symbolismo."
(Excerto da Introducção)
Índice:
[Dedicatórias] | Introducção | O Symbolismo | Diagnostico | Etiologia | Prognostico - Therapeutica | Proposições | Erratas.
Encadernação em eia de pele com ferros gravados a ouro na lombada. Sem capa de brochura frontal (conserva a capa posterior).
Exemplar em bom estado de conservação. Levemente oxidado no interior, consequência da (fraca) qualidade do papel.
Muito raro.
Sem registo na BNP.
60€