FIGUEIREDO, Antonio José de - AS VISÕES DE UM TELHUDO OU O JUDEU COSMOPOLITA. Novo
reclamo de propaganda christã offerecido á mocidade estudiosa e aos
operários de todo o mundo; e muito particularmente aos da Lusitania
regenerada. Por... Medico portuguez e operario da vinha de Christo. Lisboa, Typographia Progressista de P. A. Borges, 1876. In-8.º (20 cm) de 133, [3] p. ; [1] f. il. ; il. ; B.
1.ª edição.
Obra polémica de forte pendor anti-clerical, sarcástica e um tanto violenta.
Muito curiosa. O autor zurze na religião a torto e a direito. Entre
outras considerações, afronta Manuel Bordalo Pinheiro - pai do conhecido
caricaturista Rafael - num capitulo a ele dedicado, com referências a
Ernest Renan, autor de A Vida de Jesus, e aplaude Alexandre
Herculano, que também não nutria grande simpatia pelo clero. No "recado"
a Bordalo Pinheiro retrata Jesus Cristo de uma forma algo insólita e
pouco respeitosa.
Nada foi possível apurar acerca do autor, a não ser que se encontram
recenseados na Biblioteca Nacional outros livros seus do mesmo teor temático, a fazer fé nos títulos.
Livro ilustrado extratexto com uma estampa: O operario espiritualista.
"Este primeiro recadinho é para o sr. Manoel Bordallo Pinheiro.
Quer saber o sr. Bordallo a rasão porque eu na secção antecedente disse que elle precisa tambem de uma touca de burro? Ouça.
É
porque o sr. Bordallo não crimina o sr. Ernesto Renan por elle dizer,
com uma entonação de doutor de tripeça, que S. Pedro era um pobre
pescador do lago de Tiberiada.
É porque o sr. Bordallo não crimina o sr. Ernesto Renan, por elle dizer que Jesu-Christo andava montado n'uma mula.
E
é porque o sr. Bordallo crimina o sr. Ernesto Renan, por elle dizer,
como homem que não come palha, que Jesu-Christo era um homem e não era
um Deus.
Com que então, sr. Bordallo!... V. S.ª assenta lá para comsigo que Jesu-Christo era um Deus e não era um homem?!... [...]
Mas, antes de fazer ablativo de viagem para o tal céo, quer o sr. Bordallo saber quem Jesu-Christo era?
Eu lh'o digo; porque já tenho permissão para l'ho dizer.
Jesu-Christo
era um descendente da casa de David; com um direito incontestavel
áquella corôa do reino de Israel, que Jona o saltimbanco d'Antiochia
havia repartido pelos seus dois parentes Herodes e Anaz; da mesma fórma
que no occidente, conferiu aos Cesares o poder secular, egualmente
subordinado ao seu poder prophetico e prestigiador, que por dom divino
(diziam elles) e direito de successão, remontava muito além de Moysés, e
perante o qual tudo tremia!!...
Tal
era a força da credulidade e da superstição, ainda hoje duravel, para
prova viva, n'uma grande parte do gentio africano, nos desertos
d'aquella vasta região!!...
Jesu-Christo
era um operario espiritualista, mas, um operario cultivador das letras,
talentoso, e sabio; porque Deus não infunde sciencia n'uma besta; nem
isso se comporta com a sua justiça, apesar de caber na immensidade do
seu poder; assim como a não infunde n'uma criança sem desenvolvimento do
espirito; como Roma quiz fazer crer n'essa invenção sacerdotal do
menino Jesus entre os doutores, para achincalhar e ridicularisar a
sciencia do grande propagandista social.
Jesu-Christo,
além de ser um operario de sangue real, era um communista arrojado, que
sabia manejar tão bem a lingua como a penna, e a penna como o chicote
com que zurzia nos burros lazarentos de Sodoma, que mestiçados com as
garranas felpudas da Tartaria, produziam os mulos atravessados que Roma
trazia atrelados aos seus carros, e fazia carregar com fardos de
espolios.
Jesu-Christo
era, finalmente, um mancebo elegante, engraçado, esbelto e casquilho,
que sabia como ninguem, montar os melhores, mais famosos e castiços
cavallos arabes, para, depois de largar a blusa nas horas que lhe
sobejavam do trabalho, ir dar uma vista d'olhos ás suas estrellas, e ás
ciganas luxuriosas que faziam as suas delicias amorosas, além de sua
mãe, mulher e irmã, que era de todas a sua predilecta."
(Excerto de Certos recadinhos particulares - Primeiro recadinho)
Indice das Doutrinas incluidas n'este livro:
Advertencia.
| Prologo e um pedido á mocidade estudiosa na nova Lusitania. | Estampa
do operario espiritualista. | Secção Primeira - Uma narração historica -
Um casamento criminoso - Uma intimação á Democracia. | Secção Segunda -
Um dialogo promovido por um zanaga. | Secção Terceira - Ainda outro
dialogo provincial - Origem etymologica de Figueiró - Porque se chamam
as praças de pret soldados de fila? Um enchota moscas aos frades -
Instituição do sacramento da extrema-uncção. | Secção Quarta - Resposta a
um conselheiro gracioso - Uma substituição escolar. | Secção Quinta -
Põe-se com os miolos á vela o materialismo da egreja romana. | Secção
Sexta - Vestidos israeliticos - Origem dos Marrecos em Portugal - Porque
se chamava S. Pedro chefe dos pescadores? - O que são artes divinas e
artes diabolicas? | Secção Setima - Origem dos Rozeiros em Portugal. |
Secção Oitava - Um juiz despotico - Poder da educação - Origem dos
Vasconcellos em Portugal. | Secção Nona - Notas á lei de Zoroastro - A
pena de morte está em opposição com a lei de Deus. | Secção Decima - Os
quatro preceitos capitaes da lei de Deus - Uma lição de physiologia. |
Secção Undecima - Um encontro com o diabo - Tosa n'um carola - Outra
n'um zanaga. | Secção Duodecima - Certos recadinhos particulares -
Primeiro recadinho; Segundo recadinho; Terceiro recadinho; Quarto e
ultimo recadinho. | Secção Terciodecima - Duas rectificações. | Secção
Quatuordecima - Uma explicação. | Ephemerides. | Conclusão.
Exemplar
brochado, por aparar, em bom estado geral de conservação. Miolo
correcto. Capas frágeis com defeitos e pequenas falhas marginais. Capa
apresenta rasgão (sem falta de papel).
Muito raro.
65€
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