11 junho, 2024

FIGUEIREDO, Antonio José de - AS VISÕES DE UM TELHUDO OU O JUDEU COSMOPOLITA.
Novo reclamo de propaganda christã offerecido á mocidade estudiosa e aos operários de todo o mundo; e muito particularmente aos da Lusitania regenerada. Por... Medico portuguez e operario da vinha de Christo
. Lisboa, Typographia Progressista de P. A. Borges, 1876. In-8.º (20 cm) de 133, [3] p. ; [1] f. il. ; il. ; B.
1.ª edição.
Obra polémica de forte pendor anti-clerical, sarcástica e um tanto violenta. Muito curiosa. O autor zurze na religião a torto e a direito. Entre outras considerações, afronta Manuel Bordalo Pinheiro - pai do conhecido caricaturista Rafael - num capitulo a ele dedicado, com referências a Ernest Renan, autor de A Vida de Jesus, e aplaude Alexandre Herculano, que também não nutria grande simpatia pelo clero. No "recado" a Bordalo Pinheiro retrata Jesus Cristo de uma forma algo insólita e pouco respeitosa.
Nada foi possível apurar acerca do autor, a não ser que se encontram recenseados na Biblioteca Nacional outros livros seus do mesmo teor temático, a fazer fé nos títulos.
Livro ilustrado extratexto com uma estampa: O operario espiritualista.
"Este primeiro recadinho é para o sr. Manoel Bordallo Pinheiro.
Quer saber o sr. Bordallo a rasão porque eu na secção antecedente disse que elle precisa tambem de uma touca de burro? Ouça.
É porque o sr. Bordallo não crimina o sr. Ernesto Renan por elle dizer, com uma entonação de doutor de tripeça, que S. Pedro era um pobre pescador do lago de Tiberiada.
É porque o sr. Bordallo não crimina o sr. Ernesto Renan, por elle dizer que Jesu-Christo andava montado n'uma mula.
E é porque o sr. Bordallo crimina o sr. Ernesto Renan, por elle dizer, como homem que não come palha, que Jesu-Christo era um homem e não era um Deus.
Com que então, sr. Bordallo!... V. S.ª assenta lá para comsigo que Jesu-Christo era um Deus e não era um homem?!... [...]
Mas, antes de fazer ablativo de viagem para o tal céo, quer o sr. Bordallo saber quem Jesu-Christo era?
Eu lh'o digo; porque já tenho permissão para l'ho dizer.
Jesu-Christo era um descendente da casa de David; com um direito incontestavel áquella corôa do reino de Israel, que Jona o saltimbanco d'Antiochia havia repartido pelos seus dois parentes Herodes e Anaz; da mesma fórma que no occidente, conferiu aos Cesares o poder secular, egualmente subordinado ao seu poder prophetico e prestigiador, que por dom divino (diziam elles) e direito de successão, remontava muito além de Moysés, e perante o qual tudo tremia!!...
Tal era a força da credulidade e da superstição, ainda hoje duravel, para prova viva, n'uma grande parte do gentio africano, nos desertos d'aquella vasta região!!...
Jesu-Christo era um operario espiritualista, mas, um operario cultivador das letras, talentoso, e sabio; porque Deus não infunde sciencia n'uma besta; nem isso se comporta com a sua justiça, apesar de caber na immensidade do seu poder; assim como a não infunde n'uma criança sem desenvolvimento do espirito; como Roma quiz fazer crer n'essa invenção sacerdotal do menino Jesus entre os doutores, para achincalhar e ridicularisar a sciencia do grande propagandista social.
Jesu-Christo, além de ser um operario de sangue real, era um communista arrojado, que sabia manejar tão bem a lingua como a penna, e a penna como o chicote com que zurzia nos burros lazarentos de Sodoma, que mestiçados com as garranas felpudas da Tartaria, produziam os mulos atravessados que Roma trazia atrelados aos seus carros, e fazia carregar com fardos de espolios.
Jesu-Christo era, finalmente, um mancebo elegante, engraçado, esbelto e casquilho, que sabia como ninguem, montar os melhores, mais famosos e castiços cavallos arabes, para, depois de largar a blusa nas horas que lhe sobejavam do trabalho, ir dar uma vista d'olhos ás suas estrellas, e ás ciganas luxuriosas que faziam as suas delicias amorosas, além de sua mãe, mulher e irmã, que era de todas a sua predilecta."
(Excerto de Certos recadinhos particulares - Primeiro recadinho)
Indice das Doutrinas incluidas n'este livro:
Advertencia. | Prologo e um pedido á mocidade estudiosa na nova Lusitania. | Estampa do operario espiritualista. | Secção Primeira - Uma narração historica - Um casamento criminoso - Uma intimação á Democracia. | Secção Segunda - Um dialogo promovido por um zanaga. | Secção Terceira - Ainda outro dialogo provincial - Origem etymologica de Figueiró - Porque se chamam as praças de pret soldados de fila? Um enchota moscas aos frades - Instituição do sacramento da extrema-uncção. | Secção Quarta - Resposta a um conselheiro gracioso - Uma substituição escolar. | Secção Quinta - Põe-se com os miolos á vela o materialismo da egreja romana. | Secção Sexta - Vestidos israeliticos - Origem dos Marrecos em Portugal - Porque se chamava S. Pedro chefe dos pescadores? - O que são artes divinas e artes diabolicas? | Secção Setima - Origem dos Rozeiros em Portugal. | Secção Oitava - Um juiz despotico - Poder da educação - Origem dos Vasconcellos em Portugal. | Secção Nona - Notas á lei de Zoroastro - A pena de morte está em opposição com a lei de Deus. | Secção Decima - Os quatro preceitos capitaes da lei de Deus - Uma lição de physiologia. | Secção Undecima - Um encontro com o diabo - Tosa n'um carola - Outra n'um zanaga. | Secção Duodecima - Certos recadinhos particulares - Primeiro recadinho; Segundo recadinho; Terceiro recadinho; Quarto e ultimo recadinho. | Secção Terciodecima - Duas rectificações. | Secção Quatuordecima - Uma explicação. | Ephemerides. | Conclusão.
Exemplar brochado, por aparar, em bom estado geral de conservação. Miolo correcto. Capas frágeis com defeitos e pequenas falhas marginais. Capa apresenta rasgão (sem falta de papel).
Muito raro.
65€

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