11 fevereiro, 2023

GALLIS, Alfredo - MÁRTIRES DA VIRGINDADE
. São Paulo, Editora e Distribuidora São Paulo-Rio Ltda., [19--]. In-8.º (19 cm) de 159, [1] p. ; B.
1.ª edição brasileira.
Romance-ensaio de cariz erótico e análise "patológica", conforme é classificado na edição portuguesa. Muito valorizado pelo extenso proémio onde o autor historia e avalia a condição feminina - o aviltamento e subjugação da mulher -, ponto de partida para o presente romance, que, de certa forma, justifica parte da sua produção literária, premonitória e avançada para a época.
Relativamente a Alfredo Gallis, e à presente obra em particular, com a devida vénia a Aline Moreira Duarte, infra reproduzimos excerto do preâmbulo de um seu trabalho:
"Escritor produtivo, Alfredo Gallis fez amplo uso da temática sexual, criando narrativas que descreviam com realismo o ato sexual e o prazer dos personagens, além de outras que evidenciavam, como se dizia na época em vocabulário condenatório, taras, “vícios” ou “perversões libertinas”.
Gallis não escrevia apenas para incitar o prazer do leitor, mas também para estudar e denunciar. As obras naturalistas pretendiam pôr a nu a vida íntima da burguesia portuguesa, revelando “as mazelas de uma sociedade repleta de imoralidades” (EL FAR, 2004, p. 245). Mártires da virgindade é um dos romances naturalistas que Gallis escreveu como forma de denúncia. O proêmio explicava ser o objetivo da obra “apresentar, ao vivo, uma das mais monstruosas violências do nosso tempo” (GALLIS, s. d., p. 17): o celibato forçado da mulher fora do casamento. Servindo-se de termos científicos e de estilo panfletário, Alfredo Gallis propõe uma discussão acerca da privação sexual forçada que levava muitas mulheres, quando não à morte, à loucura. Chamava-se tal condição de “histeria feminina” - um tema que animou a pena de inúmeros escritores do século XIX."
(Fonte: Duarte, Aline Moreira, Naturalismo, pornografia e histeria em Mártires da virgindade, de Alfredo Gallis, UERJ, 2015)
"Na sua fúria, centenas de milhares de vêzes secular, de pretender emendar a simples e pura obra da natureza, o homem tem produzido as mais ridículas monstruosidades e os mais odiosos atentados!
Ora sob os títulos de civilização e progresso, ora sob a falsa máscara da moral, essa vaidade imbecil de querer aperfeiçoar pelo prisma da fragilidade, a seu critério, a grande obra de Deus, tem sempre oferecido a nossos olhos uma série triste de violências e crimes hediondos. [...]
desde a noite escura dos tempos que a mulher tem sido a vítima persistente da maldade do homem, quer a tenham encerrado num convento voltando-a a Deus e fechando-lhe, para sempre, as douradas portas da vida, quer a forcem ao celibato muitas vêzes de aparência voluntária para que a língua do mundo não suje com a sua peçonhenta baba a túnica alva de sua honra.
Nesses casos a hipocrisia, o egoísmo e a violência surgem ativas e cruéis sorrindo diabòlicamente neste tablado de convenções tradicionais e habituais que só caracteres muito enérgicos e espíritos filosóficos podem vencer a luz clara da verdade e da razão."
(Excerto do Proémio)
"De vez em vez, Maria Manuela erguia do bordado os seus lindos e cariciosos olhos castanhos, e fitava-os ansiosamente no mostrador do relógio colocado sôbre uma pequena "etagère" de mogno polido com guarnição de flanela vermelha bordada a lã. [...]
Maria Manuela era um tipo gracioso de mulher, de estatura média, muito roliça de formas, morena, possuindo um perfil lindíssimo relevado pela correcção soberba do nariz irrepreensível, que podia servir de modêlo a um escultor.
Era divinamente bela a sua dentadura alvíssima, igual, perfeita, que dir-se-ia fabricada com esmero por algum protético hábil do que pela simples mão da natureza.
Êsses dentes brancos e polidos como pérolas raras, que desafiavam longos e demorados beijos de amor, engastavam-se numas gengivas vermelhas e sãs, emolduradas entre os finos lábios, côr-de-rosa, úmidos e frescos, sensuais e delicados.
Eram deslumbrantes os seus cabelos negros, sedosos e fúlgidos, levemente ondeados e lindas as sobrancelhas e ramudas pestanas que faziam sobressair os olhos grandes, expressivos e meigos.
Penujava-lhe o lábio superior, deprimido no centro por deliciosa covinha, um buço aveludado, que por mais de uma vez tentara as fantasias de alguns rapazes do seu conhecimento."
(Excerto do Cap. I)
Joaquim Alfredo Gallis (1859-1910). "Mais conhecido por Alfredo Gallis, foi um jornalista e romancista muito afamado nos anos finais do século XIX, que exerceu o cargo de escrivão da Corporação dos Pilotos da Barra e o de administrador do concelho do Barreiro (1901-1905). Usou múltiplos pseudónimos, entre os quais Anthony, Rabelais, Condessa do Til e Katisako Aragwisa. Desde muito jovem redigiu artigos e folhetins em jornais e revistas, entre os quais a Universal, a Illustração Portugueza, o Jornal do Comércio, a Ecos da Avenida e o Diário Popular (onde usou o pseudónimo Anthony). Como romancista conquistou grande popularidade, especializando-se em textos impregnados de sensualismo exaltado que viviam das «fraquezas e aberrações de que eram possuídas, eram desenvolvidas entre costumes libertinos e explorando o escândalo». Escreveu cerca de três dezenas de romances, por vezes publicados com o pseudónimo Rabelais. Alguns dos seus romances têm títulos sugestivos da sensualidade que exploram, nomeadamente Mulheres perdidas, Sáficas, Mulheres honestas, A amante de Jesus, O marido virgem, As mártires da virgindade, Devassidão de Pompeia e O abortador. É autor dos dois volumes da História de Portugal, apensos à História, de Pinheiro Chagas, referentes ao reinado do rei D. Carlos I de Portugal."
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capas manchadas.
Raro.
Edição não cadastrada na Porbase-BNP.
Indisponível

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