AMORIM, Guedes de - MORFINA : novela. Lisboa, João Romano Torres & C.ª - Editores, [1932]. In-8.º (19 cm) de 197, [1] p. ; B
1.ª edição.
Romance naturalista de costumes sobre o bas-fond lisboeta referente ao 1.º período literário do autor. Retrata a Lisboa viciosa e boémia dos loucos anos 20, das boites e dos cabarets...
"Uma enorme população de noctívagos, formando ruidosa feira cosmopolita, inundava o salão do luxuoso cabaret, ocupando todas as mêsas. Vivia-se, com música, champagne e gargalhadas, mais uma noite de festa dos sentidos. E, pela numerosa frequencia, os mais acostumados ao ambiente, podiam afirmar, cronometricamente, que eram três horas da manhã.
- Provoca-me tonturas viver aqui esta hora alucinante...
Fausto olhos o amigo, sorridente, com um vago ar de descrença, e respondeu-lhe:
- Adoras demasiado a mentira, para que eu possa acreditar-te...
Pedro Antonio, que se sentia agitado por uma tempestade de nervos, retorquiu:
- Falo verdade. Esta hora, vermelha, com os projectores rubros borrifando de sangue toda a sala, asfixia-me de um modo insuportavel.
- Mas tu, Pedro Antonio, adoras o vermelho, o vermelho em fogo, nos teus quadros.
- Mas, nos meus quadros, eu domino essa côr, enquanto que aqui, esta luz domina-nos a tôdos.
Calaram-se. A orquestra, obedecendo á ansia as pernas que queriam redopiar, começou a tocar um tango, romantico, sentimental, venenoso.
Peitilhos lustrosos e decotes mordidos por colares de perolas falsas, unidos, colados, principiaram a ondular sobre o estrado, num ritmo voluptuoso, como se estivessem afogados num sonho de amor oriental.
Sobre os pares que obedeciam fanaticamente áquela musica que convidava a confidencias, caíam agora tiras de luz ainda mais rubra, mais febril, envolvendo os corpos em chamas, dando a sugestão de que os bailarinos dançavam dentro de uma grande e estranha fogueira."
(Excerto do Cap. I)
António Guedes de Amorim (Peso da Régua, 1901 - Lisboa, 1979). Foi um jornalista e escritor autodidacta. Tem crónicas e artigos dispersos pela imprensa - jornais e revistas. Escreveu contos, novelas e romances. A sua obra de ficção está dominada por histórias dramáticas e sobre conflitos sociais, que se desenrolam em ambientes mórbidos e sombrios. Numa primeira fase está próximo do naturalismo; a partir de 1939 envereda pela corrente do Neo-Realismo aproximando-se do Marxismo e, por fim, converte-se a um cristianismo dedicado a S. Francisco de Assis, "que certamente tornou mais conhecida a obra franciscana em Portugal e no mundo."
Exemplar brochado em bom estado de conservação.
Exemplar brochado em bom estado de conservação.
Muito invulgar.
20€
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