18 agosto, 2021

ALBUQUERQUE, Antonio de - O SOLAR DAS FONTAINHAS : Scenas do Porto.
Romance
. Porto, Typographia "Artes e Lettras", 1910. In-8.º (19 cm) de [2], 289, [1] p. ; B.
1.ª edição.
Romance de matriz naturalista tendo a cidade do Porto como pano de fundo.
"No vasto terraço guarnecido de pilares triangulares de cantaria escura, cujos alicerces se incrustam na escarpada margem direita do Douro, frente á serra do Pilar, um grupo de raparigas bisbilhoteam alegremente por entre risinhos claros e exclamações sonoras.
Duas d'ellas, cujos vestidos ligeiros de cassa lhes molda os corpos esguios de fausses-maigres, balouçam-se indolentemente nas cadeiras de verga, emquanto as outras duas, morenas de olhos vivos e pujantes de cabellos castanhos, formando um perfeito contraste com os seus typos meridionaes, ás suas companheiras, mais pallidas e aloiradas, costas apoiadas no mirante, despedaçam com os pequenos dêdos nervosos algumas rosas recentemente colhidas, seguindo animadamente a conversa tumultuosa que as absorve.
O asumpto é interessante por constituir por si só todo um projecto proximo de festas inexperadas e nas quaes ellas terão por certo um logar proeminente, graças á elevada hierarchia e cargos officiaes dos seus parentes, perante os quaes se curva toda a burguesia invejosa e banal da segunda cidade do reino, copiando-lhe, não obstante, as toilettes, os gestos e o snobismo."
(Excerto do Cap. I)
António de Albuquerque (Viseu, 1866 - Sintra, 1923). "Beneficiando das suas origens, viagens e estadas cosmopolitas, A. de A., de seu nome completo Alardo de Amaral Cardoso e Barba de Meneses e Lencastre, edifica a carreira literária sobre o estranho estatuto de nobre e libertário e sobre a indistinção das fronteiras entre ficcionalidade e história, entre narrador/autor textual/autor empírico. Ensaia-se incaracteristicamente na poesia, com a colectânea Arco-Íris e o poemeto Maria Teles; mas, adestrando-se com a tradução de Os Civilizados (Cl. Farrère), é no romance que se fixa e alcança controversa e oscilante evidência.
Arranca com um Escândalo! (1904), que, afinal, não retém as atenções. O subtítulo, Cenas da Vida de Província, reflecte a inserção na longa série de tentativas realistas e naturalistas de reelaboração do processo balzaquiano; e a narrativa, que entretece os casamentos e as infidelidades costumeiras na vida mesquinha de Leiria, revela-se fraca sequência de Eça.
Verdadeiro escândalo causa em 1908 o romance O Marquês da Bacalhoa (estrategicamente dado como edição de uma Imprimerie Liberté, de Bruxelas, mas efectivamente publicado em Lisboa, talvez pelo editor militante Gomes de Carvalho). Obra de intuitos panfletários, merece algum relevo nessa perspectiva; mas o carácter ostensivo de romance à clé injurioso para figuras facilmente identificáveis (D. Amélia, D. Carlos, João Franco, etc.) coarctou a adesão dos próprios paladinos da literatura interventiva que à época grassavam na assimilação da herança naturalista pelo neo-romantismo vitalista e jacobino; mais tarde, a censura moralista veio reforçar o embaraço de correligionários e o repúdio de adversários políticos.
Com o romance O Solar das Fontainhas (1910), subintitulado Cenas do Porto, retoma em parte A. de A. à narrativa de costumes epigonal; mas transfere para a atmosfera portuense abundantes tiques da intriga de O Marquês da Bacalhoa, em torno do conluio do alto clero e nobreza locais para o esbulho de uma fortuna familiar em favor da propaganda ultramontana. Este valor negativo contrasta com a ligação amorosa entre um pintor plebeu e uma aristocrata de velha cepa e espírito progressista.
Em suma: sendo escritor de formação heterogénea, caldeada quer nas ambiguidades entre naturalismo e decadentismo (misérias e grandezas da doença, da anomalia, do vício, do luxo, parentesco de loucura e génio...), quer nas confluências finisseculares da estesia decadista e da revolta libertária, A. de A. realiza-se e malogra-se numa prática de intervenção romanesca não menos sincrética, onde aquele tratamento ambíguo das patologias sociais se subordina à incontinência apelativa do neo-romantismo."
(Fonte: http://livro.dglab.gov.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=6651)
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capas levemente amarelecidas. Assinatura de posse no interior.
Raro.
30€

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