27 maio, 2021

FONSECA, Faustino da - A ARRAIA MIUDA : romance historico
. Lisboa, Livraria Editora Viuva Tavares Cardoso, 1906. In-8.º (19 cm) de 337, [3] p. ; E.
1.ª edição.
Romance histórico cuja acção decorre no século XIV, durante a crise dinástica portuguesa de 1383-1385.
"Precipitou-se amedrontada no aposento a açafata, apartando as louras madeixas soltas de donzella, que a velavam na carreira, e deixou ver os olhos espavoridos, vigiando-se do esguio arco da porta, cheio de um triste negrume vindo do interior do paço.
- Senhora, é a arraia miuda!
E a confirmar a nova tremeram os vidros, e trouxe a rajada do vento um rumôr volumoso e cavo, tolando n'um estrepito de trovão.
- Fechae-me essa porta, correi o reposteiro, assim! - ordenou Leonor Telles n'um bater de dentes, crispando as mãos compridas, afiladas, de dedos afusados, de unhas roseas, nos braços, talhados em folhagens, do grande cadeirão de baldaquino.
Só então poude erguer-se, e avançou até á porta almofadada, forte de pregarias e ferrolhos, que a moça procurava encobrir, tirando a pesada tapeçaria, onde as hirtas figuras de guerreiros surgiam das pregas, como a entrarem de guarda, empertigados como estacas, pregados ás lanças, espada ao longo, escudo em bico; a barbuda, em focinho de animal, rematando o corpo, escamoso como de um reptil.
Mas o incessante rebramir da turba ouviu se de novo, arrastado na ventania, vergastando a vidraça.
- Fechae! Fechae! - bradou a rainha, recuando até apeiar-se á cadeira senhorial, como receiosa que a arrancasse do throno. [...]
Conhecia-a bem, a féra que resistira á sua fascinação.
Soubera prear o audaz falcão de Fernando, o centauro infante D. João, o bravo leão que fôra o Andeiro, o lebreusinho do Mestre d'Aviz, que, mal quizesse, se lhe rojaria de novo aos pés; dominára ricos homens, infanções, senhores de terras, alcaides, prelados, argentarios.
Quem se lhe opunha pois, o que era aquillo?
A canalha, o refugo: trabalhadores, sapateiros, alfaiates, regateiras, collarejas, pescadores; a corja, a montureira, a arraia miuda, emfim!"
(Excerto do Cap. I)
Faustino da Fonseca (Angra do Heroísmo, 1871 - Lisboa, 1918). Foi um político, jornalista e escritor português. Colaborou em vários jornais de Angra e de Lisboa. Como escritor publicou diversos estudos e romances históricos. Foi deputado constituinte e senador na Primeira República Portuguesa, director da Biblioteca Nacional de Lisboa (1911-1918) e sócio da Academia das Ciências de Lisboa.
Encadernação em meia de percalina com ferros gravados a ouro na lombada. Sem capas de brochura.
Exemplar em bom estado geral de conservação. Pastas cansadas, com defeitos.
Muito invulgar.
20€

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