08 fevereiro, 2024

DIAS, Margot e DIAS, Jorge - A ENCOMENDAÇÃO DAS ALMAS.
[Por]... Centro de Estudos de Etnologia Peninsular : Universidade do Porto. Porto, Imprensa Portuguesa, 1953. In-4.º (24,5x17,5 cm) de 76, [4] p. ; il. ; B.
1.ª edição independente.
Importante subsídio etnográfico sobre a «encomendação das almas», rito dedicado ao culto dos mortos praticado sobretudo nos meios rurais.
Trabalho de fôlego ilustrado com 20 ladainhas em forma de texto e partitura.
"A Encomendação das Almas é um ritual do culto dos mortos praticado no tempo da Quaresma, realizado por grupos de pessoas, em geral mulheres, que se reúnem, à noite, para cantar e rezar pelas/às almas dos mortos no Purgatório e pelas/dos que, ainda vivos, já se encontram em agonias de morte. No ritual, as encomendadoras apelam aos que as escutam para se recordarem das almas dos que já não são vivos."
(Fonte: https://run.unl.pt/handle/10362/16181)
Livro muito valorizado pela dedicatória manuscrita dos autores ao Prof. Artur Santos (1914-1987), conhecido etnomusicólogo e docente do Conservatório Nacional de Lisboa.
"A encomendação das almas é um dos aspectos mais curiosos do culto dos mortos existente no nosso país.
As almas dos entes queridos, sujeitas às penas do purgatório ou dos que estão em perigo de morrer em pecado, precisam que as preces dos vivos as ajudem a alcançar o Céu. É, indubitàvelmente, um costume cristão, a que o povo misturou alguns símbolos mágico-pagãos. Porém, a Igreja, na sua permanente ânsia de depuração, tem ùltimamente tentado combater todas estas costumeiras tradicionais, sempre que a pureza ortodoxa não seja respeitada.
Por essa razão, e pela própria tendência da época avessa a tradições, a «encomendação das almas» tende a desaparecer das nossas aldeias. Porém, pelas informações que temos colhido e por notícias bibliográficas foi este um costume bastante espalhado por todo o país o qual, por caso, conferia carácter diferenciador à nossa cultura popular em relação às outras culturas europeias, pois, nem a vizinha Espanha apresenta tal tradição. [...]
Nem sempre é fácil extirpar da crença popular os resíduos de crenças antigas, que ficam mais ou menos agarrados à nova religião, sob a forma de superstições. É certo que, muitas vezes, as práticas de sabor pagão não passam de meras usanças tradicionais, inteiramente vazias do antigo significado, mas que surgem ainda em vários lugares. Umas vezes, além do aspecto formal, existem também resíduos atávicos afectivos ainda poderosos e avassaladores, como são os terrores nocturnos, o medo dos fantasmas, das almas penadas e de todos os seres invisíveis ou visíveis que povoam as noites e as fantasias desvairadas de algumas pessoas.
O velho costume de dar de comer aos mortos, ou fazer refeições de comunhão com eles é extensivo a muitas regiões. No nosso país, podemos considerar como vestígios de tais crenças as refeições de castanhas com vinho, comidas à luz da fogueira, no adro da igreja, junto ao cemitério, ou o hábito de voltar a pôr a mesa de Natal, finda a ceia, para os defuntos virem comer durante a noite.
A «encomendação das almas» é uma prática piedosa, que, embora conserve muitos restos pagãos, se pode considerar inteiramente cristã na essência. O que se procura é infundir piedade nos vivos pela alma dos mortos, a fim de que estes se juntem em preces fervorosas, de maneira a alcançarem o perdão de Deus para os pecados dos parentes, amigos, ou conterrâneos falecidos. O encomendador ou encomendadores são levados pelo sentimento, ou em cumprimento duma promessa, ou penitência a incitar os seus vizinhos a rezar pelos mortos, para os aliviar das penas do Purgatório.
Em geral é pela Quaresma que se faz a encomendação da almas, mas há práticas parecidas realizadas nos Fiéis Defuntos. É costume escolherem um lugar alto, para serem ouvidos de bastante longe, a fim de haver mais gente a rezar. Também procuram dar à voz um tom lúgubre, ou falar através dum funil, para obterem um efeito emocional maior, de maneira a despertar em todos o temor pela morte e, portanto, maior fervor nas orações daqueles que os escutam.
É, de facto, impressionante ouvir essa cantilena estranha nas noites calmas da Quaresma. Nalguns lugares o encomendador chega a obter efeitos arrepiantes com a sua voz sinistra e lúgubre a que depois se segue o murmúrio das orações em todas as casas da aldeia."
(Excerto do preâmbulo)
Índice:
[Preâmbulo]. | Gatão, Amarante. | Portelo de Cambres, Lamego. | Carvalho, Celorico de Basto. | Minho: - Barcelos; - Braga; - Cabeceiras de Basto; - Celorico de Basto; - Guimarães; - Santo Tirso; - Terras de Bouro. | Douro Litoral: - Amarante; - Cete; - Lordelo, Paredes; - Penafiel; - Resende. | Trás-os-Montes-e-Alto-Douro: - Chaves; - Freixo de Espada à Cinta; - Lamego; - Miranda do Douro, Especiosa; - Sércio; - Vila Real de Trás-os-Montes; - Vinhais. | Beira Litoral: - Aveiro, Bom Sucesso; - Aveiro, Verdemilho; - Penacova; - Cernache; - Vale-de-Cântaro; - Coimbra (séc. XVI); - Ílhavo; - Leiria, Milagres; - Vale de Cambra. | Beira Alta: - S. Pedro do Sul. | Beira Baixa: - [Vários]; - Chão de Lopes, Amendoa; - Idanha-a-Nova; - Monforte da Beira; - Monsanto; - Monsanto (Castelo Branco). | Estremadura: - Lisboa; - Ourém. | Alentejo: - Elvas. | Algarve: - Alte; - Estombar; - Monchique. | Sem determinação de lugar. | Algumas considerações.
António Jorge Dias (Porto, 1907 – Lisboa, 1973). "Foi um etnólogo português. Nasce no Porto em 1907 e é aí que passa a maior parte da sua juventude. Os pais têm uma quinta perto de Guimarães, onde Dias tem a oportunidade de contactar com a vida e cultura rural portuguesas. Abandona os estudos e vai viver para a aldeia de Gralheira, perto de Cinfães; viaja pelo Minho e Trás-os-Montes, vende guarda-chuvas, e chega a acompanhar um circo itinerante; aos 22 anos decide voltar à vida académica, e estuda Filologia Germânica na Universidade de Coimbra. Faz o leitorado de Português na Universidade de Rostock de 1938 a 1939, e de na Universidade de Munique de 1939 a 1942. É aqui que se familiariza com Etnologia Regional (Volkskunde), disciplina ainda desconhecida nesta época em Portugal. Conhece Margot Schmidt em 1940 num concerto em Rostock, que se torna a sua segunda mulher em Novembro do ano seguinte. Entre 1942 e 1944 lidera o Instituto Português-Brasileiro em Berlim, e obtém em 1944 o doutoramento em etnologia na Universidade de Munique com uma tese na área da etnografia: Vilarinho da Furna - uma aldeia comunitária. Em Berlim assiste a palestras de Richard Thurnwald, de quem ficará amigo até à sua morte em 1954, e cuja obra o influencia. Entre 1944 e 1947 é também leitor de Português e Cultura em Santiago de Compostela e Madrid. É professor de Etnologia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra de 1952 a 1956, ano em que vai viver para Lisboa. Aí, é professor de Antropologia Cultural e Instituições Nativas e Antropologia Cultural e Instituições Regionais no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos e regente de Etnologia e mais tarde de Etnologia Geral e Etnologia Regional no curso de Geografia da Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1954 lecciona ainda um curso sobre Etnografia Portuguesa na Universidade do Estado do Paraná, na cidade de Curitiba, sob a alçada do Centro de Estudos Portugueses. Em 1959 lecciona Cultura Portuguesa enquanto professor convidado na Universidade de Witwatersrand, Joanesburgo. Em 1957, recebe do governo português uma comissão para investigar as civilizações indígenas das colónias portuguesas em África: a Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português (MEMEUP), cuja competência específica é a de "estudar as minorias étnicas do ultramar português e a sua repercussão na cultura portuguesa". A missão desloca-se a Angola, Moçambique e Guiné. Esta missão conta com o apoio de Margot Dias e Manuel Viegas Guerreiro. Entre 1957 e 1961 realizam campanhas de investigação sobre os Macondes do Norte de Moçambique, os Chopes do Sul de Moçambique e os Bosquímanos de Angola, entre outros. A missão regressa pela última vez em 1961 (desta vez só Margot Dias), não fazendo mais visitas devido à instabilidade política que se faz sentir no território e consequentes riscos. É dessas campanhas que resulta a publicação de quatro volumes monográficos intitulados Os Macondes de Moçambique."
(Fonte: Wikipédia)
Margot Schmidt Dias GOIH (Nuremberga, Alemanha, 1908 - Óbidos, Portugal, 2001)). "Foi uma pianista, etnomusicóloga e realizadora etnológica portuguesa de origem germânica. Nasce Margot Schmidt em Nuremberga em 1908; o pai é cervejeiro, e a mãe, oriunda de uma família de artesãos, trabalha em vendas numa joalharia antes de casar. Margot aprende inicialmente piano com a irmã mais velha, e aos 18 anos vai para Munique para continuar os estudos em música, sustentando-se através de aulas particulares de piano. Em 1940 está a terminar o curso de mestre de piano na Academia de Música de Munique, e conhece Jorge Dias num concerto em Rostock. É Margot que estimula em Jorge Dias o interesse em etnologia. Casam em Novembro do ano seguinte e regressam a Portugal em 1944, antes do fim da Segunda Guerra Mundial. Durante a década de 40, Margot dedica-se ao cancioneiro de Vilarinho das Furnas, e apoia o trabalho que o marido faz nesta aldeia e que apresenta na Universidade de Munique em 1944, para obter o doutoramento em Etnologia. No ano seguinte procede ao recolhimento de um cancioneiro que acrescenta um novo capítulo à dissertação (Capítulo XIV, "O Homem, Fisionomia e Concepção de Vida", publicado na monografia de 1948). Jorge Dias é convidado a dirigir a secção de Etnografia do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular (CEEP) em 1947 e Margot Dias é então admitida ao CEEP e torna-se oficialmente sua colaboradora. A equipa inclui ainda Fernando Galhano, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Enes Pereira. Dá o seu último concerto de piano em 1956, dedicando-se desde então inteiramente à antropologia, campo em que iniciara o seu trabalho em 1947."
(Fonte: Wikipédia)
Exemplar brochado em bom estado de conservação. Texto sublinhado a tinta, certamente, pela mão do Prof. Artur Santos.
Raro.
Com interesse histórico, religioso e etnográfico.
75€

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