07 setembro, 2020

CARVALHO, Branca de - O ROMANCE DE UM HOMEM POLITICO. Scenas da vida real. Por... Lisboa, Livraria, Papelaria e Typographia Verol & C.ª, 1909. In-8.º (19 cm) de 180 p. ; B.
1.ª edição.
Interessante romance que a autora reputa de verídico, baseado nas vivências com a sua amiga e protagonista desta história - Herminia -, e nas notas e apontamentos que reuniu ao longo do seu relacionamento e convívio com a moça. A acção decorre no Porto. Com referências camilianas.
"Eramos duas creanças, e queriamo-nos muito.
Magnificas, nós ambas!
Cada uma tinha o seu diario. Simplesmente, a minha amiga exarava no seu livro intimo as impressões do coração juvenil e as ocorrencias da sua vida que gentilmente começava. Eu, que não tinha que pôr no meu, ornava-o com as confidencias, que dia a dia, ella me fazia.
No fim, dava certo.
Ella amava e era amada. Eu, interessada, seguia passo a passo esse sentimento que tinha para mim o valor de um caso, alem de representar, talvez a felicidade de uma amiga.
O meu novel espirito de observação tinha muito em que exercitar-se, passando do temperamento de ella, regularmente equilibrado, no caracter de elle, feito de todas as energias e de não poucas fraquezas, tudo isto confundido, por vezes, na mais estranha baralha.
Empenhei-me, pois, em tomar notas e apontamentos que mais tarde colligi e coordenei, para narrar esse episodio que tem erradamente o pretencioso titulo de  - O romance de um homem politico.
Romance é que elle não é, se me permitem.
As claras realidades nada teem com os processos litterarios. Estas paginas não são mais que o esboço á penna de sceas que me foram pormenorisadas, esboço fiel, exacto, tocado ainda, n'um ou n'outro ponto, de um reflexo alegre de perdida mocidade.
O plano foi a ordem chronologica dos acontecimentos, Methodo, o que pode entrar na cabeça de dois namorados. [...]
Assim, eu não tenho grande responsabilidade no attentado, escrevendo este livro ou como melhor possa chamar-se-lhe.
A culpa é do dos que o fizeram."
(Excerto do Prefacio)
"De volta ao Porto, Herminia achou uma grande alteração na visinhança.
A casa contigua, pelo lado esquerdo, uma grande casa de quatro andares, onde tinham residido, até á sua morte, os seus proprietarios, velhos parentes, por alliança, do primeiro visconde de Pereira Machado, era áquelle tempo habitada por duas senhoras de edade grave, que dirigiam uma especie de pensão, em que só havia dois hospedes.
No primeiro andar, de onde Camillo Castello Branco sahira, havia pouco, para o carcere, morava um rapaz de gentil presença, muito correcto, com uma certa gravidade nas maneiras distinctas. Isto, pelo menos, o que ressumbrava das apparencias.
Os aposentos do segundo andar eram habitados por um dandy, como então se dizia. Elegantissimo, muito doido, com a linha physionomica do typo francez.
Quando Herminia assomou á janella pela primeira vez, depois da sua chegada, deu de rosto com os dois que a fitaram simultaneamente: o do primeiro andar, com um recato de bom gosto; o do segundo, com uma insistencia petulante, que a fez retirar da janella, n'uma surpreza resentida.
Aquelle elegante rapas louro que tão mentidamente tinha o typo francez, era um brazileiro cujo nome é inutil mencionar, mas um brazileiro authentico, embalado no berço, ao canto do sabiá, com muitos contos de réis, e uma chronica soffrivelmente escandalosa.
Casara no Rio de Janeiro com uma actiz a quem, pouco depois, n'um transporte de ciume, assassinara ao de leve. A mulher sobrevivera á punhalada, como era razão. Dizia o marido que morrera mais tarde, de uma febre qualquer, que tivera a mão mais pesada. Não estava bem averiguado.
O do primeiro andar, esbelto rapaz de vinte e cinco para vinte e seis annos, era um trabalhador austero e infatigavel. Jornalista e advogado. Sustentava no fôro a reputação de orador que conquistara na tribuna, quando deputado. Um pouco violento ás vezes, diziam. Era, talvez, a consciencia da força em que pugna pelo direito."
(Excerto do Cap. II, O primeiro fremito)
Branca Edwiges Cardoso de Carvalho Pinto de Sousa (1844-1912). "Jornalista e escritora, nasceu no Porto, a 22-06-1844, e faleceu em Aveiro, a 30-10-1912. Era filha de António Bernardino de Carvalho e de D. Virgínia Adelaide Nunes Cardoso, e irmã de Alfredo Elísio Cardoso de Carvalho e de Licínio Fausto Cardoso de Carvalho, ambos escritores. Nasceu acidentalmente no Porto, onde seus pais se encontravam a passar uns dias, mas sempre se considerou natural de Ovar. Colaborou nas publicações portuenses A Esperança. Semanário de recreio literário dedicado às damas (1865 e 1866), Almanaque das Senhoras Portuenses (1886, 1887), onde defendeu a emancipação da mulher, Sobre Cinzas, editada em Abril de 1888, em benefício dos sobreviventes da catástrofe do Teatro Baquet, e Originais escritos nas pétalas da rosa (sem data), oferecida à Rainha. Participou ainda na homenagem do Grémio Moderno ao Marquês de Pombal, publicação de Aveiro datada de 8 de Maio de 1882, e fez parte da comissão que, em 1885, tomou a iniciativa de angariar donativos a favor das vítimas dos terramotos da Andaluzia, tendo a Filantropia, periódico de Oliveira de Azeméis, feito uma edição destinada a esse fim, datada de 20 de Março. Editou: O Preço da Felicidade; O Fanatismo de Uma Grande Alma; A Virgem de Malaca, (de colaboração com seu irmão Licínio); O Romance de um Homem Político."

(Fonte: https://ruascomhistoria.wordpress.com/2019/06/22/recordamos-hoje-a-jornalista-e-escritora-branca-de-carvalho-no-dia-em-que-passa-mais-um-aniversario-do-seu-nascimento/)
Ainda sobre Branca Carvalho, e a título de curiosidade, reproduzimos o excerto de um artigo publicado no jornal João Semana (1 e 15 de Outubro de 1982):
"O Tenente-Coronel Strecht de Vasconcelos, que foi casado com uma filha de D. Branca Hedwiges, numa carta há muitos anos publicada no Jornal de Notícias, do Porto, entre algumas curiosas revelações que faz, diz ser muito possível que Júlio Dinis tivesse encontrado na sua figura o tipo da Madalena do romance "A Morgadinha dos Canaviais", afirmando mesmo que "na família da referida Senhora (D. Branca) sempre se disse que a Morgadinha era ela".
D. Branca Hedwiges Cardoso de Carvalho, a que, pelo casamento, juntou os apelidos de Pinto de Sousa, faleceu em Aveiro, em Setembro de 1913. Quando da sua morte, escreveu-se ter ela sido "uma das senhoras portuguesas cultoras das letras que mais se puseram em evidencia no último quartel do século passado". Aliás já se viu que D. Branca era originária de uma família que cultivou as letras, como terá sido o caso dos já apontados Pai e irmãos Licínio e Alfredo."

Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capas frágeis, restauradas, com defeitos e pequenas falhas de papel, que atingem o canto inferior direito das primeiras folhas do livro. Lombada refeita. Pelo interesse e raridade deve ser encadernado.
Ex-libris na f. rosto e primeira página de texto.
Raro.
A BNP dispõe de apenas um exemplar.
Indisponível

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