22 agosto, 2023

GALLIS, Alfredo -
MULHERES PERDIDAS.
(Segunda edição). Tuberculose Social. III. Lisboa, Livraria Central de Gomes de Carvalho, editor, 1931. In-8.º (19x12 cm) de 291, [5] p. ; B.
Romance-ensaio de cariz erótico, o 3.º de 12 da série "proscrita" naturalista Tuberculose Social.
Obra enriquecida com o excelente proémio onde Gallis - autor "maldito" - faz o balanço (pouco animador) da prostituição - o tema do livro - e do cinismo e falsa moralidade com que esta questão era abordada pela sociedade da época, no final do século XIX/princípio do século XX.
"Se a civilisação não fosse uma estrella luminosa que ainda se encontra a biliões de leguas de distancia da realidade pratica da vida das sociedades terrestres, de ha muito que a prostituição teria deixado de existir, como um dos vilipendios e ignominias que mais rebaixam e envergonham os povos cultos, e mais profundamente ferem e offendem o natural respeito que se deve á mulher."
(Excerto do Proemio)
"A lua vinha arrastando o seu disco de prata sob a profundez do ceu constellado, d'uma immaculada pureza limpida, e ao longe, lá muito ao longe, sentia-se o latir dos cães guardadores dos casaes, emquanto as ultimas luzes da casaria do logar se iam apagando umas após outras, é proporção que os seus habitantes se recolhiam aos leitos.
Sómente a fumarenta candeia do Serafim Trigoso se conservava ainda accesa, derramando o seu baço clarão avermelhado nos rostos rudes e grosseiros dos bebedores retardatarios. [...]
O relogio da ermida, presente do fallecido morgado, bateu as onze horas com um som cavo e pausado, que se foi diluindo no espaço, até morrer suffocado entre o frondoso arvoredo da montanha.
Então abriu-se uma pequena portinha pintada de verde, que existia na ala direita do palacio, e um vulto de homem, de alta estatura, embrulhado n'um capote escuro e com largo chapeu derrubado para os olhos, sahiu para a rua e parou um momento a examinar tudo quanto o rodeiava. [...]
O homem tomou a direcção do olival que existia por detraz da casa, e a passo largo e seguro, atravessou-o em toda a sua extensão. Cortou á esquerda, que percorreu na distancia de uns duzentos metros e entrou no estreito carreiro que ficava á esquerda.
Ao fim d'este existia uma sébe.
Sem hesitar saltou-a, e penetrou em terreno cultivado de propridade particular.
Chegado ali parou. Decerto que esperava alguem.
Essa pessoa appareceu dentro em pouco.
Era uma mulher de fórmas avantajadas, que se lhe dirigiu pressurosa.
- Julgava que não viesse hoje, exclamou ella.
- Porque?
- Porque o luar tem estado muito claro.
- Para te abraçar e beijar, respondeu elle apertando-a nos braços, viria, ainda mesmo que o sol rompesse de repente.
Ella sorriu-lhe, deixando vêr a fieira preciosa dos dentes alvissimos emergindo d'entre uns labios frescos e carminados."
(Excerto do Cap. I)
Joaquim Alfredo Gallis (Lisboa, 1859-1910). "Jornalista, romancista, contista, tradutor e historiador, iniciouse na imprensa, segundo várias fontes, no periódico As Instituições, em 1881 – assinou aí crónicas políticas e sociais, contos e poemas, com nome próprio e com um dos pseudónimos que mais usou (Rabelais).
Dedicou-se aos romances naturalistas – escritos que evidenciariam a observação direta da natureza e a análise rigorosa das histórias dos homens sem rodeios nem abstrações. Entre 1901 e 1904, publicou os 12 volumes de Tuberculose Social, destinados a denunciar os vícios e males da sociedade. Como uma tuberculose podia atacar qualquer dos órgãos do corpo, também “a moral pode estar tuberculosa em qualquer das suas múltiplas e complexas manifestações” (Chibos, 1901, p. 9). Cabia ao escritor não só declarar aos doentes a sua enfermidade como demonstrar aos saudáveis as causas da doença e a sua quota-parte de responsabilidade na propagação.
Dedicou-se, também, aos romances sensualistas, licenciosos, eróticos e pornográficos, com representações e descrições explícitas de sexo, vendidos aos milhares e abundantemente noticiados na publicidade dos jornais (como “Livros para homens” ou “Biblioteca do solteirão”).
Distinto jornalista e escritor afamado, estimado e ultrajado, reconhecido em Portugal e no Brasil, publicou cerca de 35 títulos. No Brasil saíram volumes de contos eróticos e muitas livrarias brasileiras possuíam uma categoria chamada “Obras de Rabelais”. Mais de uma dezena de obras estiveram proibidas durante o Estado Novo. Além de Rabelais, usou como pseudónimos Antony, Barão de Alfa, Condessa de Til, Duquesa Laureana, Kin-Fó, Ulisses e Katisako Aragwisa.
Em 1908, aos 49 anos, publicou o primeiro de dois volumes que continuavam a 3.ª edição da História de Portugal, Popular e Ilustrada, de Pinheiro Chagas, a quem chamava “mestre” (já continuada por Barbosa Colen e Marques Gomes). Para escrever a quente sobre o regicídio, a editora tinha escolhido “um escritor brilhantíssimo na forma, ponderado nas ideias, independente e, portanto, imparcial em política, homem que tem o braço afeito a publicações desta ordem” (História de Portugal (Complemento)…, p. 6). 
Autor de uma narrativa laica, antimilitarista, liberal e nacionalista, inscreveu-se numa elite lisboeta de funcionários e jornalistas cultivadores de múltiplos géneros textuais. Fino observador da cidade – A Lisbonolândia, “capital do país dos Papa-Moscas” (Os Selvagens do Ocidente, p. 8) –, pisou o terreno de políticos e decisores, coristas, atores e ladrões comuns, sob o fundo de uma multidão pobre e analfabeta, em torno da qual, e por entre as “brumas de uma selvajaria inaudita onde por todo o país campeia o assassinato, o estupro, a embriaguez, a vingança política pessoal, o clericalismo boçal e reacionário, e as romarias a vários oragos de parva invocação” (Idem, p. 8), tinham decorrido os 19 anos de reinado de D. Carlos."
(Fonte: Henriques, António - Dicionário de Historiadores Portugueses : Da Academia Real das Ciências ao final do Estado Novo, BNP, s/d)
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capas frágeis com pequenos defeitos. Capa apresenta pequeno rasgão (sem perda de suporte) à cabeça.
Muito invulgar.
20€

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