20 maio, 2022

MENDONÇA, A. P. Lopes de - MEMORIAS D'UM DOIDO : romance contemporaneo.
Por..., Socio Effectivo da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Segunda edição correcta e augmentada pelo auctor
. Lisboa, Typographia de Costa Sanches, 1859. In-8.º (20 cm) de 166, [2] p. ; E.
Obra interessantíssima e multiplamente reeditada, cuja acção decorre em Lisboa, Memorias d'um doido é, num primeiro momento, o exemplo clássico de novela romântica, e, dez anos depois, aquando da publicação de segunda edição - a presente - muito aumentada e corrigida pelo autor -, revestida de evidente crítica social.
Não obstante tratar-se de uma segunda edição declarada, tantas são as diferenças, que talvez merecesse ser considerada uma variante da primeira edição. Ambas são muito raras.
"Memórias de um Doido conta a história que ao mesmo tempo renega: o compromisso lírico de certas páginas é a todo o momento contrariado pela análise implacável das possibilidades desse mesmo lirismo. A ação preparada não se desenvolve, por falta dum programa ou de substancia para programar. Dos três amores (da história) , comandados pelas carnes, a ambição (ou o snobismo: é um «amor de cabeça») e o ideal. Maurício não tira mais do que uma experiência psicológica. Ele é , em suma, «um herói em perspetiva» (…) Herói falhado pela frustração social dos seus desejos, mas também, e sobretudo, pela ausência de coerência interna da sua personalidade ou pela sua recusa lírica em cumprir-se. Maurício apresentando-se como o verdadeiro herói do primeiro romantismo português (…). Na verdade, Maurício (que tem a idade dos « trovadores » e dos dramaturgos de 1840) pertence a uma «geração pálida e nervosa» que Portugal também teve de conhecer (…). A este título, Memórias de um Doido são verdadeiramente memórias para não dizer « confissões dum filho do século» possíveis num (aprendiz) de romancista português que escrevia catorze anos depois de Musset e sem George Sand ao lado…Há duas Memórias de um Doido: o romance de 1849 e o de 1859. Ainda que a história não mude, ainda que não faça mais do que se aperfeiçoar entre as duas edições, ela é vivida em relação a dois presentes diferentes. A crítica social que aí se encontra desenvolvida tem, portanto, dois alvos sucessivos: o mundo cabralista e o mundo fontista - e ela passa de um a outro através duma evolução formal, sem alterar as suas próprias estruturas. O que não é certamente desprovido de significação: a «permanência» de Memórias de um Doido é um dado importante para o conhecimento da realidade portuguesa entre o fim dos anos 40 e o fim da década seguinte."
(Fonte: Edição da Imprensa Nacional - Casa da Moeda (1982) - sinopse)
"Mauricio (o doido) é um mancebo da provincia, que aos catorze annos se acha lançado no tumulto da capital. Orphão de pae e fortuna, vive do trabalho machinal de copista. Nas horas vagas, estuda. Seguindo, sem mestre nem protectores, a vocação do seu talento, aos dezoito annos já escrevia folhetos politicos; - e incisivos, energicos, cheios de vivacidade pictoresca os escreve elle. Em 1835 alistou-se, soldado ardente, nas fileiras da opposição.
Mauricio começa o seu curso de loucuras - verdores da mocidade - pelo amor de uma filha do povo. O amor desconhece classes: não é plebeu nem aristocrata. No seu diccionario, aristocrata é synonymo de bellesa. Paulina, a filha do povo, é formosa. Não era de esperar que um mancebo admittisse o typo do feio na sua esthetica experimental.
Mas este amor vae no seu occaso: outro desponta já no coração de Mauricio. Com este novo amor, com muito talento, muita ambição, muito orgulho, muito poucos annos, e altas esperanças, burladas pelo estino, gera-se no mancebo um despeito, que degenera em melancolia.
Mauricio vae distrahir-se em uma casa de jogo. Joga; perde; e recolhe-se a casa de Paulina com algum dinheiro que o banqueiro, com uma officiosidade estranha n'este especie de animaes, lhe empresta.
Em casa reflecte o poeta com amargura na sua situação triste - barreira aos affectos que lhe tresbordam do coração, aos desejos que se lhe comprimem na alma, aos planos de engrandecimento e regeneração social que lhe fervem na cabeça. [...]
Sem uma lagrima de despedida, descarta-se Mauricio d'este primeiro amor.
Dentro de pouco, eil-o rosto a rosto com uma viscondessa. É o seu segundo amor.
A viscondessa, Esmeralda por fóra e Quasimodo por dentro, é tão hedionda moralmente, como physicamente é horrendo o sineiro de Notre Dame."
(Excerto de Juizo critico, por Antonio d'Oliveira Marreca)
Indice dos capitulos:
Juizo critico. | Prologo da segunda edição. | I - A procissão de Corpus-Christi. II - Lasciate ogni speranza, ó voi che entrate. III - O amor n'uma agua-furtada. IV - Sorrisos e lagrimas. V - Desenganos. VI - Para que serve uma camelia? VII - Anjo, mulher e demonio. VIII - NoiteS de abril. IX - Scepticismo. X - A politica do toucador. XI - | XII - Othello. XIII - A rosa ensanguentada. XIV - A arte e o coração. XV - Ultimas confissões d'um doido. XVI - Capitulo ultimo.
António Pedro Lopes de Mendonça (1826-1865). "Romancista, dramaturgo e folhetinista português, António Pedro Lopes de Mendonça nasceu a 14 de novembro de 1826, em Lisboa, e morreu, também nessa cidade, a 8 de outubro de 1865. Representante de um socialismo utópico e romântico, é sobretudo como crítico literário que Lopes de Mendonça fica na história da literatura portuguesa. Nascido no seio de uma família burguesa, [com raízes nos Açores], após uma efémera passagem pela Marinha e participação no movimento setembrista, dedica-se por inteiro às letras. Em 1843, publica as Cenas da Vida Contemporânea, muito influenciadas por Balzac. Três anos depois, ingressa no jornalismo a convite de José Estêvão, como articulista no jornal A Revolução de setembro. Além deste, deixará ao longo da sua vida uma extensa colaboração dispersa por periódicos como O Eco dos Operários, A Semana, Revista Peninsular e Anais das Ciências e das Letras da Academia Real das Ciências. Em 1849, publica o romance Memórias d'um Doido, inicialmente surgido em folhetim na Revista Universal Lisbonense, no qual, também influenciado por Balzac, se reflete a modernidade da época, combinando o idealismo romântico com uma intenção de análise e denúncia de uma sociedade injusta e corrompida. Ainda por essa altura, colige no volume dos Ensaios de Crítica e de Literatura uma série de artigos de crítica literária anteriormente publicados no jornal A Revolução de setembro, onde toma como referência o grande modelo literário da sua geração, Lamartine, e chama a atenção para a necessidade do estudo das relações entre as literaturas nacionais. Em 1850, funda, juntamente com Sousa Brandão e Vieira da Silva, o jornal socialista Eco dos Operários, onde divulga o socialismo utópico de Proudhon. Um ano depois, viaja pela Itália. Em 1855, é eleito deputado. Em 1859, publica as Memórias da Literatura Contemporânea, refundição dos Ensaios de crítica publicados dez anos antes, [bem como o romance Memórias de um Doido, também refundido]. Em 1860, é-lhe atribuída a cátedra de Literatura Moderna no Curso Superior de Letras, mas o excesso de trabalho mental depressa o conduz à loucura, sem que chegue a lecionar. Morre louco em 1865."
(Fonte: infopedia)
Encadernação em pele com lombada de percalina, ostentando rótulo com títulos a ouro.
Exemplar em bom estado geral de conservação. Folha de índice (não numerada) apresenta falha de papel à cabeça, sem prejuízo do texto; trabalho de traça de pouca monta, à cabeça, visível nas duas últimas folhas do livro - a página final do romance e a já referida folha do índice.
Raro.
Indisponível

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