SANTOS, João Marinho dos & SILVA, José Manuel Azevedo e & NADIR, Mohammed - SANTA CRUZ DO CABO DE GUE D'AGOA DE NARBA. Estudo e Crónica. Viseu, Palimage Editores : CHSC - Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2007. In-4.º (23 cm) de 317, [3] p. ; il. ; B.
1.ª edição.
Capa: Gravura de Castelo e Vila Portuguêsa de Santa Cruz de Cabo Guer (sec. XVI).
Estudo pouco conhecido, desenvolvido a partir de um manuscrito coevo, com importância para o conhecimento da presença portuguesa no Norte de África, e o seu relacionamento com os mouros. Interessante, por certo com tiragem reduzida.
Livro muito ilustrado com reprodução de mapas, plantas, gravuras e inúmeras fotografias em página inteira.
"Este livro é a edição crítica e bilingue (português e árabe) de uma
crónica da praça marroquina de Santa Cruz do Cabo de Guer (Agadir),
escrita por um nobre cavaleiro que aí serviu o rei de Portugal. Trata-se
de uma narrativa dos factos que o autor considerou dignos de serem
escritos sobre a história daquela praça portuguesa. Como fio condutor do
relato, vai entretecendo os acontecimentos e procurando espelhar a
realidade vivida na praça, na região do Sus e em Marrocos, no tempo
sequencial do governo dos seus nove capitães, desde D. Francisco de
Castro até D. Guterres de Monroi. Refira-se que as guerras, as
inimizades e os ódios entre cristãos e mouros não impediram que, entre
uns e outros, ocorressem situações de amizade, de solidariedade, de
lealdade, de amor e de paixão. E ao nosso cavaleiro-cronista não
escaparam esses episódios.
A crónica é precedida de um adequado estudo dos três autores desta obra, no qual, para além da exegese do manuscrito, se enquadra historicamente Santa Cruz do Cabo de Guer na região do Sus e se demonstra que as relações entre os portugueses e os mouros de Marrocos se pautaram não só pela confrontação, mas também pela cooperação."
A crónica é precedida de um adequado estudo dos três autores desta obra, no qual, para além da exegese do manuscrito, se enquadra historicamente Santa Cruz do Cabo de Guer na região do Sus e se demonstra que as relações entre os portugueses e os mouros de Marrocos se pautaram não só pela confrontação, mas também pela cooperação."
(Sinopse - Texto retirado da contracapa)
"Primeiramente no tempo del Rei Dom Manoel que Deus tenha em gloria foi hum home nobre por nome João Lopez Girão com huas caravelas darmada ter ao Cabo de Gue indo a descobrir terra por aquella parte, desembarcando em terra achou hua grande fonte manavão sete ou oito fontes na praia da mesma agoa donde vinhão a beber muitos gados de toda a sorte ate camelos, o qual gado era hu mouro grão senhor e de todos os seus subditos, o qual se chamava Ahames Narba pella qual cauza chamavão a fonte fonte d'Agoa de Narba por cauza do appelido do Mouro.
E vendo João Lopez Girão a fonte de tão boa agoa fez ali assento e armou alli um castelo de pao que levava já ordenado, e feito poslhe artelharia e fez logo ao deredor do castelo outro muito forte de pedra e cal, em que meteo a fonte dentro, e com artelharia defendia aos mouros que lhe não impedissem a obra e tanto que o acabou foisse fazer outro castelo sobre hua rocha que estava apartada da terra defronte de hua villa de mouros que se chamava Taramaque a qual rocha a rodeava e batia o mar a qual chamavam Bom Mirão o qual lhe tomarão os mouros por treição, e com esta paixão, e enfadamento se veo a Portugal a El Rey Dom Manoel, e vendeolhe o castelo do Cabo de Gue d'Agoa de Narba.
El Rey Dom Manoel mandou logo a Dom Francisco de Castro por capitão com muita gente e oficiaes para fazer no castello hua boa villa como fez muito forte e com sete cubellos ao redor dos muros, em os quaes estava muita artelharia grossa e de toda a sorte em a qual villa esteve muitos annos pelejando contra estes dous Reynos fazendo muitas e boas couzas ate pelejar com o proprio Xarife em pessoa que estão começava a reynar, bem que não era ainda obedecido de muitos Alcaydes e xeques e outros que andavão em cabildas huns contra outros a quem podia mais senhorear pera sy pelejando huns contra os outros, mas já tinha a este tempo tres mil de cavallo com que pelejava afora muita gente de pé dazagayas, e alguas de béstas poucos, e Dom Francisco de Castro tinha cento e vinte de cavallo e christãos bons cavalleiros, e obra de seis centos homes de pé espingardeiros e besteiros consigo na villa, o qual quando a fez lhe pos nome a villa de Santa Cruz do Cabo de Gue d'Agoa de Narba, e porque tinha o castello em cima no mais alto della nomeava de Santa Cruz. [...]
Andando Dom Francisco nestas guerras lhe mandou dizer hum alcaide por nome Bam Mileque que tinha guerra com o xarife que se lhe quizesse dar lugar ajunto da villa debaxo das bombardas onde armasse tendas e fizesse cazas que elle se viria para elle com toda sua gente e poder e que o ajudaria a fazer guerra ao xarife para se vingar delle, e lhe seria tão leal como adiante se veria como sempre foi emquanto viveo não como mouro que elle era, mas como se fora christão, deulhe licença e veosse logo com perto de cem cavaleiros, e sete ou oito centos de pe dazagayas, e alguas béstas muito boa gente da cabilda d'Yzarel que erão grandes cavaleiros e desque foram apontados este alcaide hya sempre na dianteira do capitão com sua gente e la mandava espiar a terra diante e sempre hya segurando a terra aos christãos fazendo o capitão com este mouro grandes cavalgadas e destroindo toda a terra que já lhe não ouzavam aguardar em campo senão com o xarife em pessoa. [...]
Indo hua madrugada fora para tomar a villa de Mascordão seis legoas de Cabo de Gue hyão vendidos de dous mouros dos de Meleque em grande segredo sem lho consintirem e em amanhecendolhe alem do Ryo de Sus disse Bam Meleque ao capitão: Senhor a my me parece que vamos ser vendidos dalgus tredos (sic) dos que vão comigo, porque os meus cavaleiro vão de má vontade e dizemme que seria melhor tornarmonos que não lhe parece bem irmos agora lá eu não sei o que queles sentem damne este avizo dizendo n os não vemos nenhum mouro nem por cima nem por baixo nem gados pello que parece ser treição, respondeo o capitão: Bam Meleque se vos isso parece bem tornemonos, outro dia viremos quando nos parecer bem. [...] Disse o alcayde ao capitam, manda por teu filho com trinta de cavalo com a bndeira muito á presa sobre aquelle outeiro estará em salvo, e os mouros cuidarão que he gente que está com a bandeira e temerão de chegar a nos, e favoreçamos os nossos poes queres pelejar com o xarife, olha que tras grande poder e gente mui luzida, se for couza que Deus não queira que sejamos desbaratados, melhor estará teu filho e a bandeira em salvo, e não temas os meus que elles, e eu te seremos bõs e leaes ate morte por te salvar. Mandou o filho por no outeiro com as trombetas que tangessem de lá, e logo chegarão os mouros da gera e afferrarão sem temor, e o capitão volta, voltarão depresa os cavaleiros christãos e deu Santiago nelles, e lavarãonos hum pedaço matando e ferindo, derubando nelles de maneira que os temorizarão de maneira que não ouzavam chegar. Vinhão ladrando e gritando, chegarãosse para o capitão, e o alcaide algus cavaleiros mouros das pazes, e hião com elle em seu resguardo, e assi vinhão pelejando, e recolhendosse o melhor que podião ate o Ryo, e ali chegou o xarife com todo seu poder ao Ryo quis passar em chegando, e o capitão e o alcaide derão Santiago nelles dentro no Ryo onde matarão muitos delles, e os levarão ate as barbas do xarife e se tornarão a recolher, e os mouros do xarife passarão por outro passo e forãolhe sair adiante e o xarife trazia quatro mil de cavalo comsigo e passou o Ryo e derão hus por hua parte e outros por outra e forão desbaratando os christãos e o alcaide com poucos mouros dos seus hião com o capitão, e obra de quarenta christãos defendendoo, e os mouros do xarife hião dizendo a Bam Mileque: entrega o capitão [que pouco] que pouco te vai nisso pois he christão e tu mouro e o xarife te cumprirá o prometido seras grão senhor. Respondeo o alcaide tomayo se podeis que muitos sois mas o primeiro que chegar a elle faça conta que há de ser passado desta lança, ou morrereis sobe elle; e descansai que o não levareis deste vez, e os tredores que o venderão, elles ou suas molheres e filhos o pagarão, espero em Deus que nos nos vinguemos desta treição antes de muito tempo..."
(Excerto de Este he o origem e começo e cabo da Villa de Santa Cruz do Cabo de Gue d'Agoa de Narba)
Índice:
Portugal e Marrocos - da confrontação à cooperação - José Marinho dos Santos. | O SUS e Santa Cruz do Cabo de Iguir (Agadir) - Mohammed Nadir. | O Manuscrito, o Autor e o Conteúdo da Crónica - José Manuel Azevedo e Silva. | Este he o origem e começo e cabo da Villa de Santa Cruz do Cabo de Gue d'Agoa de Narba.
Exemplar em brochura, bem conservado.
Muito invulgar.
Com interesse histórico.
35€
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