F. d. C. M. P. - RELAÇAÕ // DE // HUM RELIGIOSO // SOBRE OS EFFEITOS DA VINGANÇA // Escripta por elle mesmo a hum seu inti- // mo Amigo. // CONTO MORAL // Ultio ultionem vocat, caedes caedem. Eurip. // POR // F. d. C. M. P. // LISBOA // Na Offic. de Filippe da Silva e Azevedo. // ANNO MDCCLXXXIV [1784]. // Com licença da Real Meza Censoria. In-8.º (18 cm) de 47, [1] p. ; B.
1.ª edição.
Raro exemplo da literatura confessional portuguesa de setecentos.
Trata-se da narrativa verídica(?) de um religioso - muito bem redigida, saliente-se, - que antes de professar, impelido pelo ciúme e pela honra, perpetrou o assassinato de duas almas - sua mulher e um major do exército -, e foi causa indirecta da morte de outras tantas pessoas às mãos do seu filho mais velho, cujo fim seria igualmente trágico. Raro e muito interessante.
"Para que me pedis meu verdadeiro amigo, que vos envie a historia circunstanciada da minha infausta vida? Considerai que uma tal narraçaõ naõ póde deixar de renovar-me a mais acerba magoa: Mas finalmente mandando-a por vos obedecer; naõ vos prometto ter a força de a concluir; porém conseguindo-o será para descrever sómente os seus successos, sem sobre elles fazer as reflexões de que saõ susceptiveis, e a quem os communicardes, que supra estas reflexões; e praza aos Ceos que dellas tire o saudavel fruto de se naõ entregar cega, e arrebatadamente aos seus imprudentes juizos, e vaõs pensamentos.
Naõ ignorais a Nobreza da minha origem, e sabeis que o appellido da minha Casa que aqui só conhesse o Padre D. Abbade, he respeitado na minha Provincia: Eu naõ exaltaria uma vantagem taõ frivola aos olhos de hum verdadeiro Religioso, se esta distincçaõ naõ fosse a causa das minhas desgraças, e das da minha familia.
Tendo passado a minha mocidade no serviço Militar, e pedindo depois a minha reforma, casei, retirando-me para huma Quinta aonde com prazer, e tranquillidade passei alguns annos; e sendo de hum caracter, e genio naturalmente docil, me succedeo reprehender hum meu Rendeiro, que com demaziada familiaridade visitava a Aia de minha Mulher, o que as minhas advertencias, mais de huma vez repetidas, naõ tinhaõ evitado; prohibilhe finalmente a entrada em minha Casa; porque perguntando a esta Criada quaes eraõ as suas intenções a este respeito, das duas respostas vim a inferir que naõ cuidava em casar-se, antes pelo contrario tinha grande dezejo de se conservar em minha Casa.
Isto naõ obstante vim a saber que o mesmo homem continuava a vizitalla; esta desobediente rezistencia me irritou grandemente; e indo a sua Casa, achando-o só lhe dei sevéras reprehenções, a que me respondeu atrevida, e insolentemente; e transportado de movimento de cólera o maltratei com excesso.
Parecia soffrer-me sem rezistencia, mas no instante em que voltava para me retirar veio com furor sobre mim, e arrojando-me em terra me tratou muito mal, e receando talvez o que disto resultaria para o futuro me ameaçou de tirar-me a vida: como a defeza me era impossivel por estar sem armas debaixo do
pezo de hum vigoroso rustico, que parecia querer buscar com que me matasse, pedi-lhe que de mim se compadecesse. Deixou-me finalmente; mas fazendo-me primeiro jurar por tudo o que ha de Sagrado nos Ceos, e na Terra, que me naõ ressenteria deste facto, e que jámais procuraria vingar-me."
(Excerto da 1.ª parte do texto)
Exemplar brochado, sem capas de protecção, preso por atilho, em bom estado geral de conservação. Manuseado, com defeitos, e pequenas falhas marginais. F. rosto apresenta rasgão à cabeça (sem perda de papel).
Muito raro.
65€
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