CASTRO, Jerónimo Osório de - ROTEIRO DO ATLÂNTICO NORTE (narrativas de viagens e aventuras vividas). Lisboa, Editorial Inquérito Limitada, 1957. In-8.º (19 cm) de 184, [8] p. ; E.
1.ª edição.
Interessante
conjunto de crónicas de viagem - com especial relevância para as
experiências vividas pelo autor junto dos pescadores nos
bancos da Terra Nova e da Gronelândia - produzidas a bordo do velho «Gil
Eanes», cargueiro adaptado a navio-hospital da frota bacalhoeira portuguesa.
Livro muito valorizado pela extensa dedicatória autógrafa do autor.
"Novamente
o navio de assistência [Gil Eanes] corria pelo mar, dessa vez para
buscar os náufragos do lugre «Florentina», concentrados pelas
autoridades dinamarquesas no pequeno porto de Faeringerhavnen, na
Gronelândia. [...]
Veio
ao encontro do navio português um bote branco, de vela colhida,
navegando com o auxílio do motor. Eram da polícia costeira e vinham
indicar o caminho sinuoso para o porto de destino, escondido atrás das
penedias. [...]
Então,
veio do fundo da enseada uma flotilha de barquitos, ajoujados ao peso
dos homens e de mil e uma bugigangas. Remavam compassadamente,
balanceando os corpos e, só pela maneira de remar, foram logo
identificados como sendo portugueses. Eram os náufragos do «Florentina»,
mais os seus pequenos dóris, brancos e azúis.
Aproximaram-se, deixando transparecer uma alegria discreta, em breve chegando à fala com os do «Gil Eanes».
De
entre esses dóris apenas um avançou decididamente, trazendo o capitão
do lugre naufragado, enquanto os outros botes pairavam ao largo, numa
amálgama desconexa.
Depois
os homens barafustaram na ânsia mal velada de mais se aproximar. Embora
não o querendo deixar transparecer, tinham os nervos descomendados e
isso afinal mostravam à menor contrariedade. Eram náufragos, longos dias
como que prisioneiros num país estranho.
Subiram
a escada do portaló, jungidos ao peso de enormes sacos, malas e
embrulhos variegados, que aos poucos levavam para a coberta do porão,
que lhes destinaram para residir à falta de melhor.
Contavam
coisas fantásticas, pelas quais depreendi que, na verdade, muito
sofreram, mas que o seu sofrimento também fora agravado pelo seu rude
individualismo.
Esses
63 pescadores que o «Gil Eanes» recolhera, assim dobrando a sua
tripulação e obrigando o dispenseiro a prodígios de economia, pensavam
que os iam colocar em Saint John's, de onde outro navio os levaria para
Portugal. Quando lhes constou que os iam distribuir pelos outros lugres,
houve natural azedume por entre eles, que acompanhavam de juras
pitorescas e de ameaças irrisórias. Mas acabaram por aceitar,
resignados, o destino que lhes davam, apenas se lamentando de algumas
inevitáveis separações entre parentes ou conterrâneos, ou da superstição
que ligavam a determinados navios onde iriam completar a safra. [...]
Imaginemo-los, vivendo a vida esforçada do lugre, este, fundeado dentro de um fiorde, para onde fugira acossado pela brisa.
Quando
amainou, largou em busca do mar e do bacalhau, enquanto a bordo
afanosamente se iscavam os aparelhos para a pesca. Ao leme iam o capitão
Simões e o contra-mestre e, à proa, o imediato, a dirigir a manobra.
Ainda soprava um resto de vento e o mar não estava manso. Mas era
preciso sair, não perder mais dias de pesca, sempre a mesma (e quase
heróica) obsecação.
Demandavam
a barra, bem atentos às rochas, das quais se desviavam, não obstante a
cerração. Contudo, numa volta de mar, mais forte, o navio descaiu
bruscamente. Qual não foi o espanto de todos quando imediatamente se
sentiu um grande choque, acompanhado de um estrondo aterrador. Logo
após, o lugre adornou para estibordo, espalhando-se pelo mar algumas
tábuas do casco, que flutuaram sinistramente. Mal se sabiam as causas.
Apenas havia a certeza de que o navio encalhara e metia água com
fartura."
(Excerto de Os prisioneiros do rochedo)
Indice:
I. Espírito de aventura.1 - Ir pelo mar fora. 2 - Rumo ao Norte. 3 - Campos do Tamisa. II. Londres, de passagem. 4 - Ser estrangeiro. 5 - Museus maravilhosos. 6 - Parques quase naturais. 7 - Palácios de Deus. 8 - Resumo de uma noite. 9 - O coração da City. 10 - A metrópole e o seu mundo. III. Mar implacável. 11 - Ao encontro da bruma. 12 - O silêncio do mar. 13 - Vida e morte do bacalhau. 14 - Muitas velas no oceano. 15 - Pesca imprevista. IV. Luz de um outro mundo. 16 - Os homens são irmãos. 17 - Primeira visão da Gronelândia. 18 - Um funeral português em terras da morte branca. 19 - Prisioneiros dos rochedos. V. Horizonte sideral. 20 - Sol da meia-noite. 21 - O raio verde. 22 - Uma aurora boreal. 23 - Um morto foi lançado ao mar. VI. Habitantes da solidão. 24 - Gente do Árctico. 25 - História de esquimós. 26 - A vida mais dura que o homem pode viver. VII. Itinerário americano. 27 - Fazia calor na Terra Nova. 28 - Voando sobre as províncias ultramarinas canadianas. 29 - O vínculo francês deixado no Canadá. 30 - Cruzeiro da Península de Gaspê. 31 - O que se vê em Nova Iorque.
Encadernação em meia de pele com ferros gravados a ouro na lombada.
Exemplar em bom estado de conservação. Pequena falha de pele na extremidade inferior da lombada.
Invulgar e muito apreciado.
30€
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