1.ª edição publicada em Portugal (2.ª absoluta). A 1.ª edição foi impressa em Londres [aliás Paris], em 1802).
A respeito d’O Hyssope, e com a devida vénia pelo magnífico
texto publicado no blog asinvasoesfrancesas.blogspot.pt , sob o título O Hissope, poema heróico-cómico publicado em
Portugal durante o Governo de Junot, reproduzimos as palavras dedicadas a esta obra
incontornável da literatura portuguesa.
“Em 1768, o bispo de Elvas, D. Lourenço de
Lencastre, e o deão do cabido, José Carlos de Lara, tiveram um arrufo que pôs
fim ao costume que o último tinha em obsequiar o hissope (ou aspersório, instrumento
utilizado para aspergir água benta) ao bispo, sempre que este se dirigia à sé.
Ofendido, D. Lourenço de Castro conseguiu que o cabido emitisse um acórdão para
obrigar o deão a continuar a executar o antigo costume. O deão protestou ao
cabido, ao bispo e até ao metropolita de Évora, vendo sempre baldados os seus
esforços e acabando mesmo por morrer, poucos meses depois, sem ver alterada a
sentença. Sucedeu-lhe no cargo um seu sobrinho, ao qual também se exigiu o
mesmo, sob pena de repreensão e multa. Sem se deixar intimidar, o novo deão
apelou desta vez à Coroa. Prevendo um desfecho malogrado, o bispo e o cabido
acabaram por riscar os acórdãos do respectivo livro e negar tudo o que se tinha
passado. Este caso, que durou à volta de dois anos, foi acompanhado de
perto pelos habitantes de Elvas, entre os quais se encontrava António
Diniz da Cruz e Silva, exercendo funções de magistratura junto do exército da
cidade. Tendo sido um dos fundadores da Nova Arcádia, Diniz aproveitou os seus
dotes poéticos para caricaturizar esta "bagatela", compondo assim uma
obra intitulada O Hissope, que começava com os seguintes versos:
Eu canto o Bispo e a
espantosa guerra
Que o hissope excitou
na Igreja d'Elvas.
O Hissope tem
a particularidade de ter sido o primeiro poema heróico-cómico criado
em Portugal, género hoje desaparecido que se caracterizava por celebrar (e de
igual forma satirizar) em tom épico um acontecimento sem qualquer
importância, como era o presente caso. A crítica incisiva que Diniz fazia
às vaidades eclesiásticas (retratando um clero ignorante, mundano e soberbo)
não agradou à censura da Intendência Geral da Polícia – note-se que a
Inquisição, apesar de continuar a existir, tinha perdido muita da sua força
desde o tempo do Marquês de Pombal –, que proibiu a obra de ser
publicada em Portugal. Contudo, não se conseguiu impedir que proliferassem e
circulassem diversas cópias manuscritas. Francisco Augusto Martins de
Carvalho, na obra abaixo mencionada, catalogou 54 exemplares manuscritos, com
algumas variantes entre si, que se encontravam recolhidos em bibliotecas
nacionais (embora possivelmente existam ou tenham existido muitos
mais). As variantes aludidas entre estes exemplares derivam provavelmente
do facto de António Diniz da Cruz e Silva ter ido aumentando, corrigindo e
retocando O Hissope quase
até 1799, ano em que morreu. Somente três anos depois é que finalmente era
publicada a primeira versão impressa. Talvez para desviar a atenção da
censura da Intendência da Polícia, que controlava de forma cerrada tudo o
que vinha da França desde os tempos da Revolução, esta primeira edição saiu à
estampa com a menção de ter sido publicada em Londres, como se pode ver à
esquerda, apesar de na verdade ter sido impressa em Paris. Contudo, de
pouco serviu esta dissimulação, pois logo em 1803, o Intendente Geral da
Polícia, Pina Manique, mandava afixar em edital um aviso proibindo a venda ou
divulgação em Portugal de O Hissope.
Foi assim preciso esperar até ao ano de 1808 para esta obra
sair da ignomínia da censura portuguesa, quando o Governo
de Junot deu permissão para se publicá-la em Portugal. É
possível que uma das razões para essa autorização fosse a semelhança entre esta
obra e Le Lutrin de Nicolas Boileau,
obra de idêntico teor que já circulava na França há mais de cem anos, e que o
próprio autor português tomara confessadamente como modelo de inspiração
(embora alguns autores, entre os quais Almeida Garrett, garantam que Diniz
ultrapassou a obra de Boileau). Também se deve notar que a iniciativa da
publicação de um livro que desmascarava o absurdo e a hipocrisia de certas
convenções religiosas era conforme àquela afirmação de Junot, na sua
proclamação de 1 de Fevereiro, quando dizia aos portugueses que "a
religião de vossos pais [...] será protegida e socorrida [...], mas livre das superstições
que a desonram". Num país onde o clero tinha um poder enorme, esta
obra caía como uma bomba, e os franceses deviam ter plena consciência disso.
Por outro lado, O Hissope continha
passagens que se encaixavam perfeitamente naqueles tempos, como a seguinte:
Ao pé de cada esquina,
hoje, sem pejo,
Se tratam de Monsieur
os portugueses.
Isto, senhor, é moda,
e como é moda,
A quisemos seguir; e
sobretudo,
Mostrar ao mundo que
francês sabemos.
Na verdade, esta segunda edição é hoje raríssima, pois
logo que os franceses saíram do país (em Setembro de 1808), mandaram-se
recolher os seus exemplares, e novamente foi proibida a venda e divulgação
desta obra. Só depois da implantação do regime liberal é que se permitiu
que O Hissope fosse novamente publicado em Portugal, embora
entretanto se tivessem publicado diversas edições em Paris.
Apesar desta censura de quase meio século, O Hissope, a "verdadeira coroa poética" de António Diniz da Cruz e Silva, no entender de Almeida Garrett, não perdeu a sua força e vivacidade, pois só contando até ao ano de 1921, foi editado pelo menos vinte e quatro vezes, três das quais traduzido para o francês. Uma média invejável, tendo em conta o perfil da obra. Note-se que, ainda até aquele ano, o poema também já tinha sido alvo de outras traduções (embora parciais) em inglês e alemão. De 1921 para cá foi publicado pelo menos mais cinco vezes em Portugal, a última das quais através de uma nova edição crítica de Ana María García Martín e Pedro”.
.......................................... Apesar desta censura de quase meio século, O Hissope, a "verdadeira coroa poética" de António Diniz da Cruz e Silva, no entender de Almeida Garrett, não perdeu a sua força e vivacidade, pois só contando até ao ano de 1921, foi editado pelo menos vinte e quatro vezes, três das quais traduzido para o francês. Uma média invejável, tendo em conta o perfil da obra. Note-se que, ainda até aquele ano, o poema também já tinha sido alvo de outras traduções (embora parciais) em inglês e alemão. De 1921 para cá foi publicado pelo menos mais cinco vezes em Portugal, a última das quais através de uma nova edição crítica de Ana María García Martín e Pedro”.
"Jozé Carlos de Lara, Deaõ da Igreja de Elvas, querendo obsequiar o seu Bispo e Ex.mo e Rev.mo D. Lourenço de Lencastre, vinha offerecer-lhe o Hyssope á porta da Casa do Cabido, todas as vezes que este Prelado ia exercitar as suas funções na Sé. Depois, esfriando esta amizade por motivos que nos saõ occultos, mudou o dito Deaõ de systema; o que o Bispo sentio em extremo, como uma grande affronta feita á sua Ill.ma pessoa: e para o obrigar a continuar no mesmo obsequio, maquinou com alguns seus parciaes do Cabido, que este lavrasse um Accordaõ, pelo qual o Deaõ fosse obrigado, debaixo de certas multas, a naõ o esbulhar de pertendida posse, em que se achava. Deste terrivel Accordaõ appelou o Deaõ para a Metrópole, onde teve sentença contra si. Esta é a acçaõ do Poema."
(excerto do Argumento)
António Dinis da Cruz e Cruz (1731-1799). “Escritor português, natural de Lisboa. Formou-se em Leis na Universidade de Coimbra. Terminado o curso, seguiu a magistratura, sendo nomeado juiz em Castelo de Vide (1759) e em Elvas (1764). Mais tarde, foi promovido a desembargador da Relação do Rio de Janeiro. Nessa qualidade, fez parte da comitiva enviada ao Brasil para julgar os réus da revolta que ficou conhecida por Inconfidência Mineira [1789], entre os quais se encontravam alguns poetas seus amigos [Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás António Gonzaga]. Pouco mais se sabe da sua estadia no Brasil, embora aí tenha escrito a maior parte da sua obra. Poucos meses depois do terramoto de 1755 fundou, em Lisboa, juntamente com dois outros jovens bacharéis em Direito, Esteves Negrão e Gomes de Carvalho, a Arcádia Lusitana, adoptando o pseudónimo arcádico de formação greco-latina Elpino Nonacriense. Conforme parecia ser apanágio dos poetas arcádicos, também Cruz e Silva publicou pouco em vida - apenas quatro hinos, três idílios, duas odes e um ditirambo. Muita da sua obra, bem mais vasta, só foi publicada postumamente. Pouco tempo depois de morrer foram publicadas as Odes Pindáricas (1801), o poema O Hissope (1802), e os seis volumes das Poesias (1807-1817). Mesmo assim, uma fatia considerável da sua obra permanece ainda hoje inédita. Fiel seguidor dos princípios estéticos preconizados pelo neoclassicismo, raramente intentou libertar a sua poesia dos convencionalismos arcádicos, enchendo-a de alusões mitológicas e respeitando sempre os rígidos cânones clássicos, o que lhe retirou muito do seu carácter emotivo. Mas a sua maior obra, talvez a maior de todo o período arcádico, o poema herói-cómico O Hissope, desfrutou de grande popularidade e foi traduzida para francês, inglês e alemão. Na obra, escrita no estilo épico d'Os Lusíadas, com um tom escolhido propositadamente para melhor realçar o ridículo do tema, e servindo-se do pretexto de uma intriga entre o bispo e o deão da cidade de Elvas, ridiculariza os valores feudais, a mentalidade escolástica, a poesia gongórica, o fausto da aristocracia e os abusos praticados pelas altas esferas da Igreja. Alguns autores consideram este poema a única obra dos árcades que merece, ainda hoje, ser lida."
(Transcrito com a devida vénia de: http://osgrandeselvenses.blogspot.pt/2007/03/antnio-dinis-da-cruz-e-silva.html)
Encadernação coeva em meia de pele com ferros gravados a ouro na lombada.
Exemplar em bom estado de conservação.
O nosso exemplar possui, após o final da obra, o "Catálogo de alguns livros que se achão á venda na loja de Antonio Marques da Silva, na Rua Augusta nº. 2, em Lisboa" (24 pags), impressa em 1835, na Typ. de M. J. Coelho & Comp.ª.
Raro.
Indisponível
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