25 maio, 2018

OLIVEIRA, Zacarias de - O PADRE NO ROMANCE PORTUGUÊS. Lisboa, União Gráfica, 1960. In-8.º (19,5cm) de 266, [2] p. ; B.
1.ª edição.
Curioso ensaio sobre a presença sacerdotal no romance escrito em português. Trata-se, talvez, do único estudo dedicado a este tema que se publicou entre nós.
"O padre católico parece ocupar um ponto perdido e defender uma doutrina de sabor bafiento a passado. É um enigma, com toda a verdade. Passa nas ruas e as suas roupas, muito tradicionais, não possuem o colorido e a garridice que acompanham as modas modernas. Veste de escuro e jamais se confunde com a multidão: ainda quando os seus esforços são desesperados para ser um como os outros, dá sempre nas vistas. Anda marcado pelo carácter sacerdotal e este, embora de ordem espiritual, invade-lhe toda a vida, expressa-se-lhe nos gestos, nos raciocínios, nas falas. [...]
Anda preso ao sobrenatural e leva-o consigo como uma responsabilidade consciente. Ainda quando não está à altura desse sobrenatural, ainda quando se consome por regressar ao natural estreme dos outros, passeando, falando, ele comunica esse sobrenatural: chama Deus a permanecer entre os homens e dá-O aos homens.
Este misterioso poder surge como qualquer coisa de extraordinário. Até perante os que não acreditam, aparece como uma espécie de feitiçaria que perturba: diante do padre não se admitem os estados neutros ou indiferentes, como nunca se verificaram esses estados perante Cristo, o sinal de contradição.
Mas anda também ligado ao natural. Embora ministro de Deus, com poderes verdadeiramente extraordinários, continua, pela vida fora, homem. Sofre no corpo e na alma as dores e as tentações do semelhante. É seu comparsa nas lutas entre Deus e Satã. Paladino do bem, sente em si próprio, segue misturado com as paixões, as intrigas, o lodo. E tudo isto vai refletir-se na sua vida, tudo arremessa salpicos, reais ou imaginários, para a sua existência: o mal encontra eco dentro de si. [...]
É um isolado. Misture-se embora com a multidão, continua gota de azeite que a quantidade de água agitada é incapaz de dominar. Fala e a sua voz tem um sabor estranho. Repara e os seus olhos, habituados ao sobrenatural, familiarizados com o celeste, vêem em branco, trespassam as almas, olham para além. Será sempre incompreendido. Não só pelos destituídos da cultura do seu curso demorado, como acontece nas aldeias, mas também pelos outros, pelos chamados cultos: se estes compreendem os seus estudos e o exterior das suas frases, sentem que o principal se lhes escapa também. [...]
O romance encontrou o padre como assunto e tema, como personagem a estudar. E podia encontrá-lo sob dois aspectos: um caso de verdadeira e intensa psicologia humana; alguém que vive em sociedade misturado com os outros, neles influenciando e deles recebendo influências."
(Excerto de O padre personagem de romance - introdução)
Índice:
O padre personagem de romance: A influência de Bernanos; O padre social; Um pouco de crítica. O padre no romance português. O Anticlericalismo. Tempos românticos: Herculano e o isolamento sacerdotal; Almeida Garrett e o lirismo liberal; Camilo Castelo Branco; Júlio Dinis; Outros casos dos tempos românticos. Realismo e Naturalismo: Eça de Queirós; Ramalho Ortigão; Fialho de Almeida; Abel Botelho; Guilherme Braga. Geração fim de século: Manuel Ribeiro; Antero de Figueiredo; Aquilino Ribeiro; Júlio Dantas; Nuno de Montemor; Júlio Brandão. Tempos Modernos: A geração da presença; Neo-realismo; Romancistas actuais sem escola. Novas e velhas correntes da actual ficção. Conclusão.
Exemplar brochado em bom estado de conservação. Capa ligeiramente oxidada.
Raro e muito interessante.
Indisponível

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