GALLIS, Alfredo - OS SELVAGENS DO OCCIDENTE. Lisboa, Imprensa de Lucas Evangelista Torres, 1890. In-8.º (16x11 cm) de 240 p. ; E.
1.ª edição.
Autor "maldito", Alfredo Gallis ficou conhecido para a posteridade pela literatura "erótica" que publicou no final do século XIX/princípio do século XX. Este Os selvagens do occidente, publicado na sequência do Ultimatum, passa-se num país de faz-de-conta, - o país dos Papa-Moscas, cuja capital é Lisbonolandia, - e reflete o desencanto do autor com o status quo nacional. Obra de critica social e política, zurze nas elites governativas, mas também no cinismo e nos costumes desviantes da capital. Com a devida vénia, infra reproduzimos excerto relacionado com esta obra em particular publicado no Dicionário de Historiadores Portugueses - da Academia Real das Ciências ao final do Estado Novo:
"Fino observador da cidade - A
Lisbonolândia, “capital do país dos Papa-Moscas” (Os Selvagens do Ocidente, p. 8) -, pisou o terreno de
políticos e decisores, coristas, atores e ladrões comuns, sob o fundo de uma multidão pobre e analfabeta, em
torno da qual, e por entre as “brumas de uma selvajaria inaudita onde por todo o país campeia o assassinato,
o estupro, a embriaguez, a vingança política pessoal, o clericalismo boçal e reacionário, e as romarias a vários
oragos de parva invocação” (Idem, p. 8), tinham decorrido os 19 anos de reinado de D. Carlos." (https://dichp.bnportugal.gov.pt/imagens/gallis.pdf)
"Entre 35º 56' e 42º 6' de latitude, e 8º 5' e 11º 4' de longitude seguindo o meridiano de ilha de Ferro; existe o paiz dos Papa-Moscas, pequena região fertil e pittoresca collocada no extremo occidental da Europa. De Norte a Sul mede 93 leguas, e 40 na sua maior largura.
A sua circumferencia é de 235 leguas e a superficie calcula-se em 3:150.
Ao norte confina com a Hespanha, paiz civilisado, que n'um dia em que suppoz que os germanicos lhe queriam usurpar a possa das ilhas Carolinas, foram ao consulado alemão, arreiaram a bandeira teutonica, e o governo em vez de se pôr de cocoras n'uma atittude dysentherica de poltrão mal disposto do ventre, appoiou os actos dos patriotas hespanhoes, de fórma que a negra aguia da Germania, encolhendo as azas perante a dentuça do leão de Castella, sujeitou o seu intuito de rapina á conciliação arbitraria da branca pomba do Vaticano.
E assim a Hespanha mostrou ao mundo, que se em Berlim haviam soldados e em Essex a fabrica Krupp, nas suas montanhas e cidades, nos seus valles e aldeias, haviam hespanhoes, e no peito de cada um uma couraça de honra para caminhar ao encontro dos fortes teutonicos, caso a dignidade da patria perigasse.
Pois apenas uma legua separa Badajoz, cidade pequena da civilisada Hespanha, de Elvas, cidade tambem pequena, do selvagem paiz dos Papa-Moscas.
Contam historias antigas bolorentas e bafiosas, factos positivos que attestam, que em remotas eras os Papa-Moscas foram um povo de heroes e sobretudo uma verdadeira pleidade de patriotas..."
(Excerto de No paiz dos Papa-Moscas - I. Situação geographica, fórma de governo...)
"Lisbonolandia, capital da Moscolica, bella cidade de granito á beira mar plantada, é, com relação ao paiz um verdadeiro aborto. Sendo a cabeça d'esse anão do occidente, pela sua desmesurada grandeza dá ao pobre um aspecto hediondo que o expõe á commiseração publica. [...]
Assim com o Paris é a cidade do luxo, Londres a do dinheiro, Berlim a dos militares, Vienna a das mulheres formosas, Madrid a dos cafés, e Haya a da gente asseada e trabalhadora; Lisbonolandia é a cidade das mulheres feias, dos politicos sem officio, das casas de prégo, das egrejas, dos peralvilhos sem vintem, e da riqueza esfomeada. Edificada sobre sete colinas, coroada por um ceu azul d'uma encantadora doçura oriental, e banhada por um rio amplo, formoso e imponente, geologica e topographicamente fallando, Lisbonolandia é uma cidade encantadora que apezar de immersa na mais profunda selvageria deslumbra toda a gente civilisada que a visita. Possue alguns edificios notaveis, restos venerandos dos bons tempos em que se politicava menos e trabalhava mais, e os seus habitantes são d'um caracter pacifico que pede meças ao dos bodes.
De vez em quando dá se uma sarrafusca em que a auctoridade policial é aggredida e um troço de janizaros chega a sahir do quartel. Isto porém não influe na cordura lanigera dos cidadãos. O conflicto provém geralmente d'uma questão entre meretrizes e fadistas da Mouraria, ou porque a carroça dos cães pretende levar entre grades caninas um rafeiro cidadão com colleira e licença, assim como quem diz, com voto e folha corrida."
(Excerto de Lisbonolandia - Cap. I)
"Ahi pelos fins do mez de dezembro de 1889 começou a circula em Lisbonolandia um boato assustador.
Dizia-se á bocca pequena que os gabinestes Moscolico e Bretão andavam jogando a cabra cega (cega para o primeiro) ácerca da delimitação de uns territorios que em Africa possuiam os Moscolicos, territorios historicos abandonados ao relaxe, á incuria e á avareza dos fallidos... e que os praticos bretões de ha muito percebiam que lhe faziam arranjo.
Estes boatos cochichavam-se á bocca pequena, porque o moscolico em geral e o lisbonolense em particular, nutriam a fé profunda, tambem historica, de que os seus melhores amigos e mais fieis alliados eram os bretões."
(Excerto de A Grande Tragedia)
Índice:
Primeira Parte: No paiz dos Papa-Moscas. Segunda Parte: Libonolandia. Terceira Parte: A Grande Tragedia.
Encadernação em meia de pele com ferros gravados a ouro na lombada. Sem capas de brochura.
Exemplar em bom estado geral de conservação. Pastas apresentam desgaste no rebordo.
Raro.
45€
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