1.ª edição.
Raro folheto - o 3.º de cinco publicados -, sobre a temível milícia de arruaceiros, polícia política não declarada, na sua maioria constituída por carbonários às ordens de Afonso Costa. O presente número é dedicado à morte do 1.º sargento Pereira.
Ilustrado no texto com desenhos de belo efeito e fotogravuras com os retratos do malogrado sargento, e de um seu amigo, o merceeiro Sousa Pereira.
Sobre o conjunto da obra (5 vols), e com a devida vénia pelo magnífico trabalho publicado por Rita Correia na Hemeroteca Municipal, da CML, com data de 9 de Julho de 2014, reproduzimos alguns excertos. (Recomendamos a leitura integral - v. link infra).
"Nascido para difamar, o que faz deste folheto um pasquim,
pouco revela sobre a sua identidade e a dos seus promotores. Aparentemente,
isto é, tomando como verídicas as informações que ostenta em capa, bem como a
data do editorial presente no primeiro número, «2 de Fevereiro de 1915», terá
aparecido em Lisboa, pouco tempo depois. Como se afirmava uma «Publicação
semanal em folhetos de 16 páginas» e apenas saíram 5 números, a sua existência
não terá ido além do mês de março. Nesse breve período, o pasquim teve três
editores diferentes, sobre os quais não se encontrou qualquer notícia biográfica
ou referência bibliográfica: J. Rocha Júnior, que depois de associar o seu nome
aos dois primeiros números pediu escusa do cargo; J. Diogo Peres, que assumiu o
terceiro; e Victor Alcantara, que se responsabilizou pelos dois últimos
números. O «juiz» manteve a sua identidade na sombra, assim como o(s)
ilustrador(es) que colaboraram na produção do pasquim (n.º 2, 3 e 4). Parece(m)
ser artista(s) da escola moderna. Também se publicam as fotografias dos rostos
de algumas vítimas e de formigas.
Cada número fazia relato dos meandros de um «crime», mas se
a extensão da trama exigisse prolongava-se pela edição seguinte. Não há
qualquer rigor na informação prestada. Os crimes não eram sequer fixados no
tempo. É evidente que o objetivo da publicação era difundir uma imagem
criminosa da Formiga Branca e, simultaneamente, estabelecer a sua ligação ao
Partido Republicano Democrata e denunciar a identidade dos seus membros, dos
mais populares aos líderes. Para apontar os primeiros recorria-se a alcunhas, a
profissões e a nomes de estabelecimentos em Lisboa, que seriam, eventualmente,
reconhecidos na época, se a imprensa já se tivesse encarregado de os
popularizar, mas que hoje são difíceis de identificar como: «o Borges das
Bombas» , «o Alfredo côxo, interprete dos hotéis e faquista», «o barbeiro da
Ribeira Nova, chamado Martins, conhecido pelo Cabeça de Elefante», «o Marques
da tabacaria», estabelecimento na rua do Ouro, «o José Simões mercieiro da rua
dos Retrozeiros» e muitos outros. Já os “magnates da formiga” não oferecem
dúvidas: Afonso Costa ou o «Ligorio, Affonso VII», «o famoso Governador Daniel
Ramires» (Daniel José Rodrigues, 1877-1951, governador civil de Lisboa em
1913-14), «o irmão do governador o doutor Rodrigo Ramires» (José Rodrigo
Rodrigues, 1899-1863, foi ministro da Justiça no governo de Afonso Costa), «o
coronel Correia Barreto» (António Xavier Correia Barreto, 1853-1939, foi
ministro da Guerra no governo de Afonso Costa), o «artilheiro Pala» (José
Afonso Pala, 1861-1915) ou o «deputado alegre» (Manuel Ribeiro Alegre,
1881-1940), etc., etc. […]
Ora, embora a publicação d’ Os Crimes da Formiga Branca
tenha ocorrido no início de 1915, as suas denúncias reportam-se a casos
ocorridos nos anos 1912-1913, ou seja, no período sobre o qual incidiu a
sindicância realizada pelo Senado. O primeiro número, com o título de
«prólogo», foi ocupado com uma apresentação da publicação e uma narrativa
iniciática, que recria para o leitor o ambiente de uma «Sessão Secreta». O
número seguinte trata do assassinato político do 2.º tenente da armada, Alberto
Soares, a 9 de julho de 1912, no átrio do Hotel Francfort, em Lisboa, onde
procurava escapar à fúria de um grupo de populares (carbonários?) que o tinham
por monárquico e o relacionaram com a explosão de bombas na Costa do Castelo,
que se dera naquela tarde. O terceiro número recria outro caso ocorrido na
capital − «A morte do 1.º sargento Pereira da Rua Vitor Cordon» −, que não se
conseguiu identificar na imprensa. O quarto número, ocupou-se do «complot da
praia da Maçãs», que visava atentar contra a vida de Afonso Costa e que a
Formiga Branca fez abortar, ocorrido a 23 de setembro de 1913. Finalmente, o
ultimo número centrou-se n’ «O assalto ao Tribunal de Santa Clara (chacina
frustrada)», onde foram julgados, por conspiração, Carlos Lopes, Carlos Alçada
e José Casimiro, em março de 1913. Curiosamente, ao iniciar o seu relato, e
como quem evoca uma autoridade, o nosso «juiz» fez questão de informar que o
caso fora tratado por seu amigo «num artigo publicado no «Intransigente», em
agosto de 1913». Trata-se do diário fundado dirigido por Machado Santos,
republicano e adversário “figadal” de Afonso Costa. […]
Para concluir, resta afirmar que Os Crimes da Formiga Branca
foi folheto característico de um tempo tumultuoso. Não resta dúvida, de
que foi bateria apontada ao Partido Democrata, colocada em terreno
“secreto”, e que procurava instigar paixões tão violentas quanto as que
dizia denunciar. Contribuiu, como muitas outras publicações, para a
estabelecer uma ideia mítica da “Formiga Branca”."
(in http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/OsCrimesdaFormigaBranca.pdf)
"Cêrca das seis da tarde dêsse dia de verão, seguia o agente Rapoza pelo Chiado, farejando uns e outros pois lhe constára que a formiga qualquer cousa preparava de anormal, quando a meio da rua se encontrou com um seu amigo intimo da policia, o agente Tava, que como ele se interessava pelos manejos da celebre associação.
- Há alguma novidade? interrogou o Rapoza, cofiando as guias pastosas do seu bigode alourado.
- Creio que sim e d'arromba. Imagina que, quando ha pouco passava pela rua de Victor Cordon, deparei com um pardal lá da tropa, em coloquio animado com o mercieiro Sousa Pereira. A presença do gajo ali deu-me que pensar e entrei na mercearia onde pedi uma caixa de fosforos.
- E quem era esse tal tropa? - interrogou curiosamente o Rapoza.
- Um certo tenente Carrilho que é um formigão dos mais façanhudos. A presença pois do gajo na loja do Sousa, surpreendeu-me, e vaes vêr, meu velho, que não teve que arrepender-me da minha idéia.
- Conta... conta...
- Quando entrei, dizia o tenente ao sargento em tom de censura: - Dizem que você é um grande thalassa e que apregâ p'rá'hi, que lhe repugna servir a Republica e ia pedir a sua demissão."
- Há alguma novidade? interrogou o Rapoza, cofiando as guias pastosas do seu bigode alourado.
- Creio que sim e d'arromba. Imagina que, quando ha pouco passava pela rua de Victor Cordon, deparei com um pardal lá da tropa, em coloquio animado com o mercieiro Sousa Pereira. A presença do gajo ali deu-me que pensar e entrei na mercearia onde pedi uma caixa de fosforos.
- E quem era esse tal tropa? - interrogou curiosamente o Rapoza.
- Um certo tenente Carrilho que é um formigão dos mais façanhudos. A presença pois do gajo na loja do Sousa, surpreendeu-me, e vaes vêr, meu velho, que não teve que arrepender-me da minha idéia.
- Conta... conta...
- Quando entrei, dizia o tenente ao sargento em tom de censura: - Dizem que você é um grande thalassa e que apregâ p'rá'hi, que lhe repugna servir a Republica e ia pedir a sua demissão."
(excerto de A morte do 1.º sargento Pereira)
Exemplar em bom estado de conservação. Sem capas.
Raro.
15€
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