01 junho, 2019

FONSECA, Thomaz da - CARTILHA NOVA. Para o José Povinho lêr á noite, ao serão. Eis aqui o que eu julguei dever escrever-vos ácerca d'aquelles que vos enganam. S. João-Epist. 1-Cap. 11-26. Edição do Gremio "O Futuro". Lisboa, Typographia Bayard, 1911. In-12.º (14,5cm) de 30, (inc. capas) ; B.
1.ª edição.
Folheto de propaganda republicana para ilustração popular, de forte pendor anticlerical. Trata-se da raríssima edição original, publicada pouco tempo após a instauração da República, dedicada pelo autor "Aos que morreram luctando pela causa da Liberdade e da Justiça".
Para melhor compreensão do "povo", a cartilha foi escrita sob a forma de diálogo entre dois personagens - o João da Quinta, pequeno lavrador, e o Manuel Martins, professor primário.
"João - Mas... Senta-te ahi, Manuel, e diz-me cá uma coisa: Então a Republica sempre poderá sustentar-se? Os republicanos não andam já em guerra aberta uns contra os outros por não saberem como háo de governar o paiz? Disse-me o nosso padre... Mas olha que tu, vê lá, não digas nada d'isto... Disse-me elle que lá em Lisboa já ninguem se entende e que entre os proprios republicanos ha muitos que trabalham para que volte a monarquia. Disse-me até que já temos nem sei quantos navios de guerra, e que a maior parte dos regimentos estão prontos a sair para a rua, afim de porem outra vez D. Manuel no trono.
Manuel - E tu acreditaste n'esse jesuita?
João - Eu, se queres que te diga...
Manuel - Pobre homem, que tão ingenuo me saiste! Pois tu não vês que isso são altas manobras!... Os padres, como sabes, (e quando digo padres, digo jesuitas, porque em Portugal os padres acabaram) os padres vendo que o tal Couceiro comia quanto dinheiro lhe mandavam e sem nada fazer, cortaram-lhe a maquia...
João - E parece que não era pequena... Só do Brazil lhe vieram muitos milhares de libras.
Manuel - Do Brazil, de Paris, de Roma,de toda a parte. D. Manuel, D. Miguel, D. Amelia, todos mais ou menos deram. Mas estes cansaram-se depressa. Quem continuou a aguentar-se no balanço foram os jesuitas, que estão furiosos contra o bando de comedores e covardes que na fronteira tem passado tempo a embebedar se e a dansar o tango, com as espanholas. Outros jogam a batota. Não ha muitos dias ainda que o thesoureiro foi deposto por ter perdido só n'uma noite, trinta contos de réis! Ora foi por estas e outras como estas que os taes jesuitas, de combinação com o papa e os bispos portuguezes...
João - Os bispos tambem? D'essa é que eu não sabia!
Manuel - Pois tu não sabes nada, porque se soubesses não andavas por ahi ás ordens dos nossos inimigos... Os bispos são até os que maior mal estão fazendo á Republica. Ultimamente houve entre todos elles uma combinação secreta, proveniente d'umas ordens que receberam do alto, como se costuma dizer, onde combinaram mudar de tactica, para com mais facilidade destruirem a Republica. Resolveram elles ordenar ao padres das suas dioceses que em todos os domingos e em todas as egrejas de Portugal se façam praticas e conferencias acerca do valor e das vantagens moraes da confissão, de modo que aos pés dos confessores vá o maior numero de gente possivel. E uma vez no confissionario, o padre se encarregará de levar esse paroquiano e esse penitente, a combater e difamar a Republica, por todos os modos e feitios... Eu, como toda a gente sabe, nunca gostei muito d'essa tal confissão. Mas desconfiando de coisas, por certas palavras que ouvi a umas mulheres, ao sairem da missa, fui tambem confessar-me."
(Excerto do diálogo de O confissionario como arma de guerra)
Matérias:
Encontro; Os inimigos da Republica; O confissionario como arma de guerra; Porque não querem elles a Republica?; A lei da separação; As egrejas e o culto; A doutrina nas escolas; Um anno feliz.
Tomás da Fonseca (1877-1968). "Nasceu em Laceiras, Mortágua, a 10 de Março de 1877. Escritor, poeta, jornalista, professor e propagandista, professou desde cedo ideias liberais e republicanas. Frequentou Teologia no seminário de Coimbra, escrevendo 'Evangelho de um seminarista', após a sua saída em 1903. Pertenceu à Maçonaria, sendo iniciado em 1906. Foi um dos mais activos propagandistas republicanos, estando presente na organização de várias associações de carácter cultural e social. Jornalista, escreveu em vários órgãos de imprensa, nomeadamente O Mundo, Pátria, Vanguarda, Voz Pública, Norte, República, Povo, Batalha, Alma Nacional, sendo director do Arquivo Democrático. Escreveu também em jornais estrangeiro (España Nueva e Lanterna, do Brasil). Depois da implantação da República em 5 de Outubro de 1910, foi chefe do gabinete de Teófilo Braga, em 1910-1911, foi eleito em 1911 para a Assembleia Constituinte, por Santa Comba Dão, deputado na primeira legislatura e, em 1915, senador por Viseu, pelo Partido Democrático. Muito ligado à questão da educação e do ensino, foi vogal do Conselho Superior de Instrução Pública, director das Escolas Normais de Lisboa e da Universidade Livre de Coimbra. Foi presidente do Conselho de Arte e Arqueologia de Coimbra. Em 1920 visitou a França, a Bélgica e a Inglaterra, numa missão de estudo a escolas, museus e bibliotecas. Da sua vasta obra, de cariz essencialmente pedagógico e de propaganda anti-clerical (especialmente contra a exploração de Fátima), cumpre referir os seguintes títulos: Sermões da Montanha (1909), Cartilha Nova para o Zá Povinho ler à noite ao serão (1911), Origem da vida (1912), Memórias do Cárcere (1919), Cartas Espirituais – A mulher e a Igreja (1922), História da Civilização, relacionada com a História de Portugal (1922), Ensino Laico (1923), No Rescaldo de Lourdes (1932), A igreja e o Condestável (1933), Fátima (1955), Na Cova dos Leões (1958), Bancarrota (1962). Morreu em Lisboa a 12 de Fevereiro de 1968."
(fonte: http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/biografias?registo=Tom%C3%A1s%20da%20Fonseca)
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capas levemente oxidadas.
Raro.
Com interesse histórico.
Indisponível

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