QUEIROZ (Bento Moreno), Teixeira de - O FAMOSO GALRÃO. Por... Lisboa, Editores: Tavares Cardoso & Irmão, 1898. In-8.º (19cm) de VIII, 340, [4] p. ; B. Comedia Burgueza, V
1.ª edição.
Rara edição original do quinto volume da série naturalista «Comédia Burguesa».
"Vi, pela vez primeira, Galrão, na Taberna Ingleza, ao caes do Sodré, estando eu a jantar uma sopa de rabo de boi e um bife com batatas.
Em frente do meu logar, vieram sentar-se tres individuos, um só dos quaes eu conhecia; era D. Agostinho. O velho fidalgo nem pela minha presença deu, de absorvido que estava nos formidaveis calculos, que, com magestoso lapis azul, sobre larga folha de papel almaço, fazia um dos seus companheiros, homem novo, de forte barba preta, atarracado no corpo, largo de hombros, e olhar tão vivo, que incendiava. Este, acompanhando as falas mansas, mas persuasivas, com gesto imperante, apontava os complicados algarismos, que lançava no papel, em soberbas pyramides. Em taes momentos, no rosto de D. Agostinho despontava fulguração tão febril, que me impressionou pelos longes que me dava de loucura. O segundo ouvinte, homem de vasta fronte, ornada de cabelleira loira, recebia esses raciocinios com certa indifferença, bebendo paulatinamente golinhos de genebra e fixando-me distrahido, com os seus severos oculos d'oiro. Eu soube, depois, que aquelle apparente desdem ou apathia mental, provinha de ser este individuo o auctor dos raciocinios e calculos, que o outro fazia.
Á sahida é que D. Agostinho, repentinamente, se lembrou da minha presença; mesmo da porta me agradeceu com sorriso amavel o cumprimento com que eu o recebera á entrada. Impressionou-me aquelle desvairamento physionomico, em homem de tão serenas maneiras, tão desprendido das opulencias da vida, e que eu representava sempre na minha imaginação com a sua delicada expressão no rosto. Na modestia da sua existencia, apesar de certo desleixo moral, conservara sempre a linha placida, que n'esse dia vi alterada, por singular perturbação. Este acontecimento deixou-me apprehensivo, durante algumas horas. Quando á noite o encontrei no Gremio perguntei-lhe: quem eram aquelles dois amigos, com que o vira, na Taberna Ingleza, ao caes do Sodré. O mesmo incendio da pupilla lhe illuminou subitamente o rosto; mas d'esta vez elle proprio o apagou, por força da sua vontade, baixando as palpebras. N'uma voz macia, voz assente em notas de interessante segredo, esclareceu-me:
- O da barba preta é o famoso Galrão; o loiro um grande sabio que elle nos trouxe. Dois homens extraordinarios."
(Excerto de Á memoria de D. Agostinho)
Francisco Teixeira de Queiroz (Arcos de Valdevez, 1848 - Sintra, 1919). “Romancista e contista,
Francisco Teixeira de Queirós licenciou-se em Medicina, tendo ocupado
diversos cargos públicos, entre os quais o de deputado, de vereador da
Câmara Municipal de Lisboa e de ministro dos Negócios Estrangeiros,
neste caso em 1915. Chegou a ser presidente da Academia das Ciências de
Lisboa. Fundou em 1880, com Magalhães Lima, Gomes Leal e outros, o
jornal «O Século», tendo também colaborado nos periódicos «O Ocidente»,
«Revista de Portugal», «Revista Literária», «Arte & Vida»,
«Ilustração Portuguesa», «A Vanguarda» e «A Luta», entre outros. Em
1876, publicou o seu primeiro romance, «Amor Divino», com o pseudónimo
de Bento Moreno, que viria a usar em outros livros. A sua vasta obra
está repartida em dois grupos: «Comédia de Campo» e «Comédia Burguesa»,
imitando assim a «Comédie Humaine», de Balzac, um dos seus mentores.
Durante cerca de 40 anos, reformulou o seu plano e a sua doutrinação
literária sobre o romance, procurando incansavelmente aplicar o seu
programa realista-naturalista de base científica. Cultivou uma escrita
de feição realista, fazendo uma crítica constante à alta sociedade
lisboeta, evidenciando os seus costumes, os seus modos de agir e de
estar perante a sociedade portuguesa em geral. Em algumas das suas
obras, por outro lado, retrata de uma forma carinhosa e saudosa os seus
tempos de infância, vividos na quietude da sua terra natal.”
Exemplar brochado, protegido por sobrecapa de papel vegetal, em bom estado de conservação. Assinatura de posse nas f. rosto e anterrosto.
Raro.
Indisponível
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