15 junho, 2016

ASSUMPÇÃO, Lino d' - MIL E SEISCENTAS LEGUAS PELO ATLANTICO. Lisboa, Lucas & Filho, 1888. In-8.º (19,5cm) de 228 p. ; B.
1ª [e única] edição publicada.
Interessantíssimo conjunto de narrativas marítimas.
"Nada de maravilhoso nem de inverosimil, de excentrico ou fantasia, n'estas simples narrativas de um homem que se tem deslocado um pouco no seu paiz e que - por varias vezes - tem viajado entre a Europa e o Brazil.
Isto, porém, não quer dizer que esse homem não tenha para contar coisas extraordinarias de casos não previstos, de que tem sido espectador, e de situações difficeis em que se tem encontrado. [...]
Na carreira da America do Sul, entre a Europa e as terras do Novo Mundo, se ainda não sulcam as aguas esses gigantes, rapidos e commodos, que fazem a travessia entre o norte europeu e os Estados Unidos, cruzam-se, porém, em pleno mar, ou encontram-se nos portos, sob varias fórmas e differentes pavilhões, frequentes paquetes de duas e tres mil toneladas, caminhando com uma rapidez que oscilla entre 10 e 15 milhas por hora, ou tanto como trez a cinco leguas das nossas, accommodando á larga no seu bojo de ferro um bairro popular, servidos por tripulações superiores, em numero, ao effectivo dos nossos regimentos, uma - novissima reforma.
Façamos conhecimento com os chamados «reis do mar».
Os paquetes inglezes, por melhor que sejam, são intoleraveis. Servem apenas para nos despejarem nos caes da Europa ou nas praias transantlanticas, depois de desoito ou vinte dias de balanço e clausura, destinados ao jejum, ao enjôo e á mortificação.
Quem se embarcar n'elles póde prescindir - na conta corrente da sua salvação eterna - da verba: indulgencias plenarias.
Ninguem, que não seja inglez, boliviano, chileno ou do Perú, espere uma amabilidade dos officiaes de bordo. Estes varios indigenas nomeados são tratados como passageiros; o resto é carga.
A maioria dos officiaes são falhos de maneiras, e desde o commandante ao ultimo dos pilotos - futuro commandante e passado grumete; - grattez l'officier: vous troverez le mousse.
A marinhagem, contractada a esmo em todos os portos e de todas as nações, é uma aglomeração indolente e indisciplinada.
Uma vez, a bordo co Cotopaxi, com o cair da tarde começou a soprar uma brisa fresca de leste. Ás oito da noite, com a entrada do quarto, começou a faina para largar a vela grande, outra mais acima, e uma latina da prôa. A tripulação corria por todos os lados; crusavam-se rapidas e tremulas as luzes das lanternas, por entre a gritaria da marinhagem, sibilava o apito do contra-mestre e, quando o serviço ficou prompto, ali por perto das dez horas, já tinha abrandado a briza!
Ao toque simulado de fogo a bordo, todos correm rapidamente, porque estão prevenidos desde pela manhã.
Estes exercicios inesperados fizeram-me sempre lembrar d'uns oradores repentistas - genero Arroyo - que preparam os improvisos com quinze dias de antecedencia."
(excerto da introdução, Os Paquetes)
Tomás Lino de Assunção (1844-1902). “Foi um engenheiro civil e funcionário do Ministério das Obras Públicas. Dedicou-se paralelamente à vida literária, tendo chegado a frequentar o Curso Superior de Letras. Viveu no Rio de Janeiro, onde fundou uma editora de obras literárias e científicas e ajudou na organização do Liceu Literário Português, e em Paris. Regressado a Portugal, colaborou com o seu amigo António Enes no jornal O Dia e na organização dos arquivos e das bibliotecas nacionais…”
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capa com falha de papel no canto superior dto. Lombada cosida.
Raro e muito curioso.
35€

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