LEAL, J. da S. Mendes - INFAUSTAS AVENTURAS DE MESTRE MARÇAL ESTOURO : victima d'uma paixão. Lisboa, Livraria de A. M. Pereira, 1863. In-8.º (17,5x11,5 cm) de VII, [1], 322, [2] p. ; E.
1.ª edição.
Romance histórico cuja acção se divide entre Portugal e Brasil, reportando ao período de ocupação filipina do país.
"Mestre Marçal, que mal apparecia dava alegrão ao rapasio e vadiagem desde as portas de Alfôfa até ao arco dos Escudeiros, era em 1622 um individuo esguio, sinuoso, engoiado, alluido e desengonçado, cujo esqueleto, mal cosido n'uma rede de musculos por uns restos de membrana fibrosa, dançava um bolero desregrado e perpetuo no amplo interior do corpete e calções de estamenha, que fluctuavam ironicamente pelos contornos angulosos d'aquella mumia ambulante. O arcabouço, equilibrado nos fusos a que elle por basofia chamava as suas pernas, tinha por bases dois pés, que davam quatro, todos recortados de promontorios, e por cupula uma cara empastada em pergaminho, que poderia servir ás descripções analyticas do proprio Flourens e ás mais minuciosas observações de osteologia comparada.
Por que successivas degradações chegara mestre Marçal a este extremo de tenuidade, de esvasiamento, de exhaustação, de quasi transparencia? Aprenderá o mundo o que faz uma sina fatal, o que pode um affecto obstinado, e em que abysmos precipitam as cegueiras da paixão violenta e contrariada. [...]
Os gaiatos do sitio, afferrados á onomatopeia como todos os gaiatos de todas as épocas, tinham-lhe posto por alcunha: «mestre Estouro.»
Não podia o mestre sair á rua que o não seguisse um coro turbulento, grunhindo, guinchando, latindo, chiando e ganindo-lhe uma acclamação burlesca e estrepitosa, com taes variedades imitativas, que abrangiam o diapasão completo do reino animal.
- «Lá vae mestre Estouro, lá vae mestre Estouro!» - vozeava a turba maltrapilha apenas o avistava. E logo investia atraz d'elle, engrossando a cauda á sua popularidade alfamista.
Mestre Marçal porém ia seu caminho com a magestade dos graves infortunios, e só respondia com a silenciosa e magnanima superioridade, que dá o costume das catastrophes, deixando berrar a mó dos garotos, como hoje em dia um estadista impavido, que leu Horacio em pequeno, deixa trovejar as tempestades parlamentares.
- Mas por que motivo chamavam os gaiatos a mestre Marçal «mestre Estouro?» [...]
Era mestre Marçal natural de Lisboa, onde exercera em tempos elizes a profissão de fogueteiro, com tamanho applauso, que não havia festa ou romaria, um par de leguas em redondo, na qual se não invocasse o seu valioso auxilio, como se diz na actualidade."
(Excerto de I - De como mestre Marçal tomou estado)
José da Silva Mendes Leal (Lisboa, 1820 - Sintra, 1886). "Foi um escritor, jornalista, diplomata e político português. Trabalhou na Biblioteca Nacional de Lisboa, de que foi diretor, e dedicou-se ao jornalismo, colaborando na Revista Universal e em O Panorama, entre outras. Foi deputado, par do Reino e ministro de um dos governos de Costa Cabral, tendo terminado a sua carreira como ministro plenipotenciário de Portugal em Madrid e Paris. Foi grão-mestre da Maçonaria. Escritor ultra-romântico, notabilizou-se como dramaturgo de sucesso, embora tenha também publicado poesia, ficção e história e se tenha dedicado à tradução. O seu sucesso no teatro teve início em 1839 com o drama histórico O Homem da Máscara Negra."(Fonte: Wikipédia)
Encadernação coeva em meia de pele com ferros gravados a ouro na lombada. Sem capas de brochura.
Exemplar em bom estado geral de conservação. Cansado. Pastas apresentam cantos esfolados. Se, f. ante-rosto.
Raro.
Indisponível


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