22 novembro, 2025

FRAGOSO, Fernando - A HISTÓRIA DE JOÃO RATÃO. Contada por... Lisboa, Depositária Editorial Progresso, L., [1940]. In-8.º (19 cm) de 140, [4] p. ; [8] f. il. ; B.
1.ª edição.
"A partir de uma opereta, a história amorosa dum soldado português, João Ratão, que regressa da frente de batalha na Flandres, sendo envolvido em intrigas motivadas pela inveja, quanto a Vitória, uma rapariga do povo que namorara através de cartas escritas por outros...
Evocação do patético cenário da guerra (1914-18), e a faina dos madeireiros, no deslumbrante Vale do Vouga."
(Fonte: José de Matos-Cruz, O Cais do Olhar, 1999)
Livro ilustrado com fotogravuras a p.b., reproduzindo cenas do filme, distribuídas por 8 folhas separadas do texto.
"A opereta «João Ratão», um dos grande êxitos do Teatro musicado português, foi escrita por Ernesto Rodrigues, João Bastos e Felix Bermudes. Fernando Fragoso e Jorge Brum do Canto adaptaram-na à tela. Jorge Brum do Canto dirigiu o filme, que é uma produção da Tobis Portuguesa."
(Excerto do preâmbulo)
"A faina começara pela madrugada. Ainda havia estrêlas no céu, quando, no pinhal, sobranceiro ao rio, os lenhadores romperam a vibrar, no sopé dos troncos, as machadas compassadas, que se repercutiam, cavas e profundas, pelo vale, e iam morrer lá em baixo, com o marulhar das águas no açude. [...]
O sol rompera. A neblina desfizera-se, pouco a pouco. [...]
Caíra o último pinheiro. Ia começar a derrama. [...] E foi justamente à hora do almoço, quando as marmitas fumegavam, alinhadas sôbre o brazido, que o Zé Maria divisou, na curva do caminho, a figura bem conhecida de «Sô Puxa», o carteiro da terra, fazendo esforços visiveis para subir a ladeira, montado na sua bicicleta, que zig-zagueava pela estrada poeirenta. [...]
Zá Maria, o capataz, a tôda a força dos pulmões, berrou lá do alto:
- Ó «Sô Puxa»! Há alguma coisa p'ra gente? [...]
«Sô Puxa» esquadrinhou a mala, a monologar entre os dentes:
- Que raio de gente esta! Todos querem cartas... e não sabem ler... Que faria, se soubessem...
E rematou com o estribilho de sempre, que era, ao mesmo tempo, um protesto e um desabafo, uma espécie de válvula de segurança da sua irritação permanente:
- ... Puxa!...
E logo, numa transição:
- Aí vai o jornal - e estão com sorte...
Os grandes, um título doloroso e alarmante! Zé Maria abanou a cabeça, num mixto de tristeza e desaprovação, e comentou:
- Mais tropas nossas que vão para França!
Fez-se um silêncio. Um rapazote aloirado quebrou-o, numa voz onde se sentia a amargura da saudade:
- Ó sr. António?! Tem tido notícias do João?!...
Encostado a uma árvore, olhar perdido na distância, como se quisesse penetrar os segredos da imensidão, sr. António volveu, triste:
- Isso sim! Há três semanas que não recebo notícias! Pobre filho! Onde êle me foi parar!
Pelo cérebro daqueles homens, passou, numa saüdade, a figura de João da Mó, o mais insinuante, o mais alegre dos rapazes de Santiago da Ermida, o João Ratão, orgulho dos seus pais, enlevo das moçoilas, o noivo de Vitória, a mais bonita das raparigas, umas poucas de léguas em redor. [...]
- Maldita guerra!
E na serena tranqüilidade da serra, os homens, de machada em riste, atacaram os pinheiros com o mesmo desespêro, com que, na Flandres, outros homens se apostavam em abater almas cristãs."
(Excerto do Cap. I, Manhã na Serra)
"Havia mêses que João Ratão se encontrava em França, no sector ocupado pelas tropas portuguesas, na planície alagada e erma da Flandres. Partira um dia de Portugal, empilhado num navio, com milhares de camaradas, num grande barco cinzento, que era pequeno para conter tantos homens e tanto material. Embarcara com a alma dilacerada, por deixar a sua terra., sem esperanças de voltar. [...]
Foi num dia nevoento e triste que chegaram a França. Chovia a bom chover. Mas a população dispensara aos bravos soldados, que de tão longe vinham em seu socôrro, uma recepção entusiástica! João Ratão, quando desfilara, com todo o batalhão, pelas ruas empedradas do pôrto francês, entre alas de povo, que festejava a chegada dos portugueses, sentira um arrepio. Era alguém! Orgulhoso da sua missão, marchando com garbo e aprumo, João Ratão deitava o rabo do olho às raparigas, que se alinhavam nos passeios, ao longo das ruas. E que lindas carinhas! De si para si, João pensou que a guerra, afinal, não era tão má como a pintavam...
Mas enganara-se! Era pior e bem pior do que todos supunham. Quando chegou às primeiras linhas e ouviu o troar do canhão teve mêdo! [...]
Havia três dias já que o inimigo bombardeava sem cessar as posições ocupadas pelas tropas portuguesas. Bombardeava, noite e dia, com regularidade, batendo as trincheiras e a rectaguarda, com fôgo certeiro e cadenciado. Os rapazes sabiam o que aquilo queria dizer: era o prelúdio duma ofensiva, se não fôsse uma armadilha para outro sector, para um ataque de surpresa. [...]
- Temos dança! - comentou João Ratão para os seus companheiros, no abrigo, onde o cimento e os sacos de areia os protegiam da chuva de metralha. [...]
Durou horas esta luta de morte na defesa das primeiras linhas. Uns após outros, todos os ataques foram repelidos. E quando caiu a noite, sôbre o campo juncado de mortos e moribundos, os portugueses mantinham intacta a frente confiada à sua guarda.
João Ratão foi dos que se ofereceram para a perigosa missão de recolher os feridos na «terra de ninguém». Ouviam-se gemidos, ao longe, no silêncio da noite, só perturbado pelo breve matraquear das metralhadoras dos postos avançados."
(Excerto do Cap. IV, Nas Linhas de Fogo...)
Índice: [Preâmbulo]. | [Explicação cinematográfica da obra]. | Distribuição do Filme. | I - Manhã na serra. II - Carta do João. III - Primavera de Amor. IV - Nas Linhas de Fogo. V - Boas Novas. VI - A Canção da Mariette. VII - Dois Marotos. VIII - «Mademoiselle Frou-Frou». IX - A provocação. X - Manuela diverte-se. XI - O arraial. XII - A Calúnia. XIII - Desespêro. XIV - Dia cinzento. XV - A chegada do tenente. XVI - O interrogatório. XVII - A Cruz de Guerra. XVIII - Desastre no rio! XX - Epílogo.
Encadernação recente, em tela, com ferros gravados a ouro na lombada. Conservas capas de brochura.
Exemplar em bom estado de conservação.
Raro.
Com interesse para a bibliografia WW1.

Junto com:

COSTA, Júlio de Sousa e -
SEVERA (Maria Severa Onofriana) : 1820-1846. Apontamentos e notícias para a sua história noso-psicológica * Casos interessantes em que intervieram personagens de destaque * A vida na Mouraria * A boémia doirada * O retrato da Severa * Doença e morte * A vala comum... 2.ª edição. Lisboa, Livraria Bertrand, [1936]. In-8.º (19 cm) de 207, [1] p. ; [1] f. il. ; B.
Importante subsídio biográfico para a história da Severa, mítica fadista lisboeta - a primeira a ser conhecida no meio, talvez a mais famosa de sempre.
Ilustrado com duas estampas extra-texto:
- Cópia do desenho incompleto, a tinta da china, tendo no verso a simples nota: "A Severa", encontrado no espólio artístico do pintor Francisco Metrass (1825-1861);
- A casa onde morou a Severa.
Inclui no final do livro a partitura de "Quando eu morrer, raparigas", música que se afiança ter sido composta pela Severa bem como os versos que ela cantava de preferência, cuja letra evidenciava a vontade, após a morte, de ser sepultada em vala comum.
"A Severa...
Muito se tem falado desta desventurada que fez perder a serenidade, a compostura e também o juizo a filhos de algo e burguezes! E quantos lances de ciúme não provocou, sem o desejar, entre os da fina-flor da fadistagem da velho Mouraria!...
Êste livro de breves notícias e apontamentos coligidos durante largos anos, teve por finalidade acarretar subsídios para a crónica ou para o estudo psicológico dessa mulher que teve a popularidade triste que todos conhecem.
A sua mocidade cheia de beleza triunfante despertou paixões e ocasionou desvarios. Era a sina fatal com que viera a êste mundo de provação e destêrro. Pelas páginas que vão lêr-se passam muitos personagens do seu tempo e alguns da sua intimidade... Deslizam sombras de fidalgos, artistas, políticos, burgueses e alguns da negra legião do rebutalho da cadeia e da magna caterva da navalha...
Na vala comum onde ela quiz fôsse lançada, nessa cova larga do cemitério do Alto de S. João, da sua Lisboa, onde nascera e que tanto amava, terminou o drama da vida tempestuosa e delirante que teve, todavia, grandes claridades!...
Era linda... Disseram-mo duas pessoas que ainda a conheceram. O seu aspecto gentil e perturbante, os olhos cheios de meiguice e ternura que não era fingida e o seu corpo escultural, encantaram os homens do seu tempo."
(Excerto do Proémio)
Índice:
Poucas palavras como proémio. | I - Primeiras investigações. II - O conde Vimioso. III - Na vida airada. IV - A companheira de Severa. V - Um incidente na Praça do Campo de Santana. VI - As façanhas da Severa. VII - Não dou felicidade a pessoa alguma... VIII - Os actores Teodorico e Epifânio na rua do Capelão. IX - A ervanária da Mouraria. X - Uma amiga da Severa. XI - No «Colete Encarnado». XII - A taberna do «Manhoso». XIII - Recordações. XIV - O retrato da Severa. XV - Que expiação? XVI - Lancem-me à vala comum!... XVII - A Severa no teatro. Aditamento (Certidão de óbito da Severa). | Quando eu morrer raparigas [partitura]. | Índice. | Índice alfabético dos personagens, locais e factos que figuram neste livro.
Encadernação recente, em tela, com ferros gravados a ouro na lombada. Conserva a capa de brochura frontal.
Exemplar em bom estado de conservação. Com sublinhados a caneta ao longo do livro.
Invulgar.
Com interesse histórico.

2 volumes encadernados num único tomo.
Preço conjunto:
35€

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