MARÇAL, Orlando & CÔRTE-REAL, Fernão. - ESFOLHADAS (contos). Carta-prefacio de Abel Botelho. Coimbra, Edição da Livraria Moura Marques, 1907. In-8.º (18,5x12 cm) de XIII, [3], 114, [2] p. ; B.
1.ª edição.
Capa: A. Marçal.
Conjunto de 7 contos naturalistas. Segundo Henrique Marques Júnior (Occidente, 1058, 20.05.1908), destacam-se dos demais, Corações!..., comparado por este a Singularidades d'uma rapariga loura, de Eça de Queiroz, que "é a história de um rapaz que amava, pela sua indole de Tolstoiano, uma rapariga que mais apreciava Mary e Belot, e que se entregou depois a um homem casado", e A mana do abbade, "uma phantasia profana em que figuram como protagonistas A Mana do abbade - titulo d'essa producção - e o menino Jesus do Altar, que é um sonho de doente e histerica, bem escripto".
Obra muito valorizada pelo extenso prefácio de Abel Botelho, onde este critica os romancistas portugueses e a sua tendência para a escrita "fácil", que pouco contribuiria para educar o gosto das massas: "Numa carta-prefácio ao livro de contos Esfolhadas (1907), de Orlando Marçal e Fernão Côrte-Real, adverte Abel Botelho que o escritor não deve mudar a sua arte só para agradar a um público insensível, ignorante, que não gosta de pensar e só quer um divertimento imediato." (Correia, Anabela Barros, O espelho deformante: Imagens do grotesco em Fatal Dilema, de Abel Botelho, UL, 2008)
Exemplar com dedicatória autógrafa dos autores "Aos nossos queridos amigos e companheiros José Julio e Julio Cesar d'Andrade Freire".
"Começou por me chamar - seu caro. E no café, quasi eserto áquella hora, entre o bocejo dos creados e o zumbido somnolento das moscas, foi desfiando, n'um desabafo prolongado, o segredo que lhe revolvia o coração. Tinha uma alma aberta para o soffrimento, um coração escancarado para o Amor. Um olhar d'uma mulher era para elle uma gloria; um sorriso uma vida nova, que se lhe infiltrava no Sêr. E na sua fronte avincada e triste, onde as linhas deslisavam sinuosas; nos seus olhos amortecidos, mas avivados de quando em quando por um clarão de febre; nos seus labios côr de terra, ávidos e famintos, rasgados n'um rir sacudido e cruel, lampejava um ar de doença, mixto de ironia e desespero, que penetrava na carne em extremeções de piedade e de terror. [...]
"Começou por me chamar - seu caro. E no café, quasi eserto áquella hora, entre o bocejo dos creados e o zumbido somnolento das moscas, foi desfiando, n'um desabafo prolongado, o segredo que lhe revolvia o coração. Tinha uma alma aberta para o soffrimento, um coração escancarado para o Amor. Um olhar d'uma mulher era para elle uma gloria; um sorriso uma vida nova, que se lhe infiltrava no Sêr. E na sua fronte avincada e triste, onde as linhas deslisavam sinuosas; nos seus olhos amortecidos, mas avivados de quando em quando por um clarão de febre; nos seus labios côr de terra, ávidos e famintos, rasgados n'um rir sacudido e cruel, lampejava um ar de doença, mixto de ironia e desespero, que penetrava na carne em extremeções de piedade e de terror. [...]
Haviam-no avisado já, dizendo-a - criminosa. Essa rapariga apparentemente ingenua, que todos julgavam honesta, havia desperdiçado o melhor do seu coração. Apegava-se a todos, parecendo querel-os com o mesmo ardor e a mesma vehemencia. Tinha encontros repetidos nas quebradas do valle. Toda a gente a abocanhava como uma desvairada que tinha artes diabolicas para se infiltrar nos corações ingenuos."
(Excerto de Corações!...)
"A egreja era sobre a elevada serra, muito arredada do logar, num severo ermo coroado de montanhas. [...]
O bronze do sino, alli, tinha um timbre mais cadenciado, de mais recolhida uncção. E parecia que nas pesadas trindades, soando rijamente pelas quebradas dos montes, nos vinha impressionar como que a magestade santa de uma augusta voz cançada de viver. [...]
O abbade era novo, de macios olhos azues e cabellos louros, garrido como um lenço tabaqueiro. Por intrigas politicas, fôra desterrado para a serra, como parocho, coberto da antipathia mesquinha de meia duzia de patricios pelintras. Mas, depois, não houve remedio, lá comprou tres fatos e poz-se a andar, na companhia da mana. Esperto, occupava os longos dias de verão a martellar sermões «d'estrondo», debaixo da sombra ondulante e dôce das nogueiras largas do passal.
Na quaresma ia espetál-os, numa irritante e anazalada pronuncia, á Porto, aos selvaticos parochianos das freguesias vizinhas, que o escutavam, de bôcca parva e grossos cajados poisados, numa boçal e forte admiração pela formidavel memoria do padre."
(Excerto de A mana do abbade)
Indice:
De Abel Botelho: Carta-prefacio. | De Orlando Marçal: - Corações!...; - Bohemia nocturna [Coimbra estudantil]; - Missa negra; - No enterro do suicida. | De Fernão Côrte-real: - A mana do abbade; - O meu namôro; - Coimbra pelo monóculo [Coimbra estudantil].
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capas algo sujas. Contracapa apresenta pequeníssima falha de papel no canto superior esquerdo, que apanha a última folha do livro.
Raro.
Indisponível


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