1.ª edição.
Romance histórico cuja acção decorre no Faial, Açores, no primeiro quartel do século XIX, e que, julgamos, se baseia em factos verídicos.
"Havia mais duma hora que o morgado João Pereira de la Cerda, naquele amanhecer pluvioso de outono, apegado às grades do parlatório do convento de Nossa Senhora da Glória, da ilha do Faial, conversava mui atenta e apercebidamente com a madre definidora D. Ana Antónia, sua tia materna, irmã do falecido morgado Cunha. Eram sós, muito de manhã, pouco depois da hora prima. Da colmeia monástica vivendo além da pequena porta escura, como defumada, com ferragens tôscas e gemedoras, nem o mais leve murmúrio os perturbava. Para além era o segrêdo... As suas vozes, a-pesar-de brandas, ressoavam na quietação e frieza do aposento, semelhantes ao retinir de moedas caindo no metal duma bandeja. [...]
Apontava-se êste mosteiro como o preferido da gente fidalga, naquela redondeza, para tomar votos. Nele tinham entrado a instituidora, uma irmã e duas primas; nele, de facto, se tinham obscurecido algumas meninas das principais famílias - dos Linhares, dos Peixotos, Labats, Bruns, Arriagas... Lá estavam, já octagenárias, as irmãs Margarida Xavier e Maria Benedita (dos Lacerdas) Francisca Inácia (Whytons). Ali viveram diversas parentas dele, João Pereira de la Cerda, entre as quais uma tia-avó, Helena do Sacramento, que ainda alcançou. Emfim, lá se encontrava essa sóror definidora, D. Antónia, com quem armara conversa arrastada, que ali recebeu o véu negro meses depois de outra irmã, já falecida, D. Francisca Maria Xavier. [...]
O capitão João Pereira de la Cerda, primogénito do morgado, era um moço de mediana estatura, contando vinte e seis anos apenas. [...]
Ocupavam-se os dois da educanda Ana Luísa de la Cerda, irmã dele, que o pai, pouco ante de falecer, internara no mosteiro, com o reservado e duro pensamento de fazê-la freira.
Outra filha mais velha, rebelde a um casamento de muita aritmética que a paternidade lhe talhava, esteve a pique de igual destino. Eximiu-se à sentença, porque uma tuberculose providencial lhe minou abreviadamente as cavernas do peito antes de noviciar."
(Excerto do Cap. I)
Estes la Cerdas (Lacerdas, mais lusitanamente falando) representavam no Faial um dos melhores ramos da linhagem excelsa dos Pereiras. Êste nome, muito nosso, que largamente se propagou por todos os Açores, teve ali início (no Faial) com a pessoa bulhenta e vagabunda de João Garcia Pereira, da nobilíssima casa dos condes da Feira - neto de Gonçalo Pereira, de Riba de Vizela, do conselho de guerra de D. Afonso V, casado com D. Filipa de Albergaria.
João Garcia Pereira encetou ofício na côrte, ao serviço de El-Rei, como seus avós. Fidalguia não lhe faltava. Arrogância de espada muito menos, capaz de arremeter ao primeiro melindre, sem tir-te, nem guar-te."
(Excerto do Cap. II)
Relativamente a este João Pereira de la Cerda, figura central do romance, julgamos tratar-se de:
João Pereira de la Cerda ([N. Horta, 12.8.1772(?) (N. 12.9.1772 segundo Lima, 1922) ? m. Matriz, ibid., 26.3.1850 (segundo o registo de óbito, morreu com 73 anos logo terá nascido em 1776)] Também aparece grafado como João Pereira de la Cerda. Literato. Fidalgo, era filho primogénito de Joaquim Pereira de la Cerda, de origem espanhola, e de Emerenciana Dorothea Brum da Silveira, administradores de uma casa vinculada (Macedo, 1959).
Capitão de milícias, de ideias liberais avançadas e tolerante em questões religiosas, manifestou-se pelo pronunciamento liberal dos faialenses em 1821, dedicando-lhe várias composições poéticas (cf. Macedo, 1871, 1: 535; 2: 446). Com o restabelecimento do absolutismo retirou-se para a vida privada, passando largas temporadas na sua propriedade sita na Barca, ilha do Pico. Entre 1831 e 1836, com o governo liberal, voltou à vida pública, mas a cisão acontecida no seu partido fê-lo retirar-se definitivamente.
De cultura vasta e sólida, conhecedor das literaturas inglesa e francesa, fez traduções de várias obras. Voltaire e Molière eram os seus autores favoritos, sobretudo o segundo de quem sabia de memória centenas de páginas (cf. Rebelo, 1980). Grande parte da sua obra perdeu-se quando, na eminência de ser preso pelas autoridades miguelistas do Faial, a enterrou sem cuidar que ficasse devidamente protegida da humidade."
(Fonte: https://www.culturacores.azores.gov.pt/ea/pesquisa/Default.aspx?id=7869)
Marcelino de Almeida Lima (Horta, 1868 - Lisboa, 1961). "Foi um jornalista, romancista e historiógrafo açoriano, autor dos Anais do Município da Horta e de vasta bibliografia sobre a ilha do Faial.
Ingressou muito cedo nas lides jornalísticas, pois com apenas 17 anos de idade já dirigia, com Júlio Lacerda, o semanário literário da ilha do Faial intitulado O Bibliófilo, fundado a 31 de Maio de 1885.
Dirigiu também, e foi redactor principal, da Revista Faialense, um semanário literário e desportivo fundado em 1 de Fevereiro de 1893, e da segunda série do semanário literário e noticioso O Faialense (1899), redigido em colaboração com Florêncio Terra e Rodrigo Guerra. Foi colaborador assíduo de múltiplos periódicos, com destaque para os jornais faialenses O Telégrafo, A Democracia, Correio da Horta e Arauto.
Embora mantivesse activa colaboração na imprensa periódica, a partir de finais da década de 1920 passou a dedicar-se a estudos históricos e genealógicos, com especial incidência sobre as questões relacionadas com as famílias e a história faialense."
(Fonte: Wikipédia)
Encadernação em pele com ferros gravados a ouro na lombada. Sem capas de brochura.
Exemplar em bom estado de conservação. Com sublinhados no texto a vermelho. F. rosto e ante-rosto apresentam carimbo de posse. Apontamento a lápis sobre o livro na f. ante-rosto.
Muito invulgar.
40€
Reservado


Sem comentários:
Enviar um comentário