01 julho, 2025

MACEDO, Lino de -
A BANDEIRA.
(Estudo psychologico d'uma desequilibrada). Lisboa, Companhia Nacional Editora, 1897. In-8.º (19,5 cm) de 500 p. ; B.
1.ª edição.
Romance baseado numa história verídica, cuja acção decorre entre Lisboa e a Figueira da Foz. Escrito a partir de um manuscrito entregue ao autor por uma freira francesa, que num hospital do Rio de Janeiro cuidara de um português moribundo, proprietário do documento e participante directo na história, "fallecido havia poucos dias de febre amarella, no mesmo hospital" em que Lino de Macedo se encontrava internado.
Obra rara e muitíssimo interessante. Trata-se de um romance de análise psicológica com cariz realista. O subtítulo impresso na capa - Romance d'uma desequilibrada - difere da f. rosto - Estudo psychologico d'uma desequilibrada.
"Sahi do hospital e, no doce remanso do hotel de Paineiras, á beira estrada do Corcovado, onde fui convalescer, principiei a leitura, receiando ir deparar com banalidades sem proveito. Não succedeu assim: - o manuscripto revelava uma d'estas tragedias que se desenrolam em silencio, ao abrigo de todas as leis sociaes, sem merecer attenção á reportagem dos papeis diarios, nem á justiça dos nossos tempos de humanidade.
Dando-me a conversar o manuscripto, tal interesse me despertou a sua leitura que, regressando a Portugal curei de alcançar noticias e promenores que elle não atingia, mas que deixava antever. Em Lisboa e em outra viagem que fiz ao Rio de Janeiro colhi os materiaes necessarios não para architectar um romance cimentado de phantasia, mas para fazer uma narrativa, repugnante por descrever o vicio, mas interessante por ser verdadeira e repassada por lagrimas. [...]
Quem procurar paginas amenas, onde deseje vêr prepassar prados em flôr e amôres castos e serênos, quede-se por aqui porque não encontra o que deseja.
Se os viciosos farejam n'estas paginas sensações que lhes alimentem os seus instinctos degenerados, pódem tambem fechar o livro e escolher outra leitura. Aqui só se descreve o vicio para se pôr em relêvo a repugnancia que elle meréce a todos os cerebros equilibrados."
(Excerto  do Preambulo 
"Sete da noite; fim do mez d'agosto; praia da Figueira: - são os traços mais fortes do desenho.
Esbocemos:
- Não era assim - dizia Luiz de Mello, cofinado demoradamente o bigode. O Magalhães jogava regularmente as carambolas; tinha jogo variado, grande certeza em bolas de tabella; mas estava muito longe, muito, do Mayer, um francez que elle vira o inverno passado no Montanha, em Lisboa.
João Capella defendia o Magalhães, brazileiro adoptivo como elle, mas mais velho. Magalhães era um dos melhores tacos que elle conhecera aqui e no Rio, onde frequentara os principaes cafés e vira tudo quanto de bom a grande cidade tinha. [...]
Mello continuava combatendo contra os meritos do Magalhães. Tinha um jogo feroz, dizia, sempre a defender-se, atirando só pela certa, receiando ter de pagar a partida...
E questionando iam os dois descendo a rampa que deriva da rua da Concordia para a do conselheiro Silva.
Ao longo da praia, por entre a copa do arvoredo que se estendia a perder de vista, como uma fita negra posta sobre o escuro transparente do ceu sem lua, reinava silencio. [...]
Os dois pararam, discutindo opiniões sobre carambolas, fallando de jogadores e de bilhares, questionando, de rosto chegado e bengala em punho.
Na sobra, caminhando para elles, principiou a destacar-se um pequeno ponto negro, que pouco a pouco foi tomando corpo, avolumando-se e se revelou uma mulher. Era uma rapariga que apresentava os seus vinte e seis annos, baixa, rosto largo, olhos pretos e fulgurantes, cabello alourado e tez clara, - um d'estes typos de mulher em que o norte de Portugal é fertil. Por sobre um vestido de chita, esbranquiçado, levava um chaile castanho, de barra azul e branca, dobrado em bico. Na cabeça um lenço de seda azul com flores brancas. Caminhava apressada, occultando parte do rosto no chaile, que segurava com as duas mãos.
Luiz de Mello e João Capella estavam parados, discutindo na borda do passeio, quando a rapariga passou por elles.
- Adeus, como está? - interrogou Capella, pondo na voz ternuras de namorado.
- Adeus, sr. Capella, contestou a rapariga, a Mariquinhas da Bandeira, como vulgarmente lhe chamavam na Figueira."
(Excerto do Cap. I)
Lino de Macedo (1858-1919?). "Nasceu em Coimbra, em 1858, mas residiu quase toda a sua vida em Vila Franca de Xira, onde exerceu o seu trabalho de escritor, jornalista e político. Fundador e redactor principal do jornal “O Campino”, serviu-se dos jornais, livros, folhetins e outras publicações para expandir o ideal republicano em Vila Franca de Xira e Alhandra. “Em 1887 Lino de Macedo apresenta o Programa Republicano – Carta ao Sr. Dr. Teófilo Braga, acto que foi uma ousadia para a época. Era um programa pautado por ideais republicanos de esquerda, defendendo a justiça gratuita e a cultura para todos, o anti-militarismo, a abolição da carga fiscal, a autonomia municipal e a defesa dos direitos dos trabalhadores”."
(Fonte: https://omirante.pt/semanario/2010-11-04/cultura-e-lazer/2010-11-03-o-primeiro-centro-republicano-fundado-em-alhandra-nao-conseguiu-mais-que-16-socios)
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capas frágeis, manchadas, com defeitos e pequenas falhas de papel. Assinatura possessória na f. rosto.
Raro.
75€

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