12 setembro, 2018

PAIVA, Manoel Joseph de - INFERMIDADES // DA // LINGUA, // E ARTE QUE A ENSINA // a emmudecer para melhorar: // AUTHOR // SYLVESTRE // SILVERIO DA SILVEIRA E SILVA. // INVOCA-SE // A PROTECÇAM DO GLORIOSO S.ᵀᴼ ANTONIO // DE LISBOA // Por MANOEL JOSEPH DE PAIVA. // LISBOA: M. DCC. LIX. [1759] // Na Of. de MANOEL ANTONIO MONTEIRO. // Com todas as licenças necessarias // E á sua custa impresso. In-8.º de [12], 212 p. ; il. ; E.
1.ª edição.
Ilustrada na primeira folha preliminar com uma gravura em madeira que representa Santo António.
Sobre a presente obra, com a devida vénia, reproduzimos um excerto do excelente trabalho de Telmo Verdelho, da Universidade de Aveiro, cujo link infra indicamos.
"Nos anos de 1759 e 1760 viveram-se em Portugal momentos de grande violência e até de crueldade no exercício do poder, de grandes rupturas, e, certamente, de uma grande dramatização da vida pública. É uma data histórica também para a língua portuguesa porque, com a expulsão dos Jesuítas, se aniquila a parte mais importante do suporte institucional do ensino, especialmente do ensino pré-universitário. […] Esta conjuntura suscitou grandes transformações e algumas decisivas e definitivas mudanças na política da língua, da sua escolarização e, finalmente, do seu percurso histórico. Uma das consequências mais importantes ressente-se sobretudo na dimensão do actual espaço lusófono e na unidade linguística do Brasil, que não pode deixar de se relacionar com a política planificadora do Marquês de Pombal. o estudo da língua portuguesa foi também objecto da reforma pombalina, decretou-se a escolarização da gramática e criou-se uma rede embrionária e centralizada de ensino público.
Na sequência destas transformações, embora não seja necessário estabelecer uma relação de causalidade, verifica-se um significativo incremento da reflexão metalinguística sobre o português, discute-se a norma linguística, institui-se a Academia das Ciências (1779) e alarga-se a produção linguisticográfica. o livrinho Infermidades da Lingua e arte que a ensina a emmudecer para melhorar, publicado por Manuel José de Paiva (de que se conhecem exemplares com datas diferentes, de 1759 ou de 1760, correspondentes, todavia, a uma única edição), integra-se com uma certa originalidade neste discurso metalinguístico. É uma obra rara, quase única, entre o espólio bibliográfico português, pelo menos no que respeita a obras publicadas.
A obra de Manuel José de Paiva oferece-se à leitura, antes de mais nada, como um texto literário, elaborado com grande investimento de arte, de recursos linguísticos e de presunção literária. É uma obra caracterizadamente barroca em que se intertextualiza a abundância retórica da oratória sacra, com especial destaque para a memória do P. António Vieira.
Por outro lado, correspondendo à indicação do próprio título, o texto Infermidades da Lingua propõe uma reflexão sobre a norma linguística e sobre a moralidade da língua, ou, melhor dito, sobre a língua como um comportamento susceptível de aferição moral. Estas duas vertentes, embora o autor as não tenha explicitado no plano do discurso, distinguem-se, de maneira muito óbvia, na estruturação do texto. A obra apresenta uma elaborada alegoria em que a língua assume a configuração de uma dolorida enferma que recebe um médico dedicado, sábio e bom entendedor que, numa série de oito visitas, a observa e lhe prescreve um adequado receituário. O texto divide-se assim, em oito sub-unidades, como se foram capítulos, correspondentes a cada uma das visitas. A doutrinação moral e a transgressão (a mentira, a verborreia, a murmuração, a detracção, a crítica injusta, etc.) ocupam a maior parte das visitas e correspondem a uma espécie de moralidade da língua. Diferente desta é o pronunciamento normativo que se encontra na visita sétima: nela o autor recolhe e ordena, pelas letras do alfabeto, um longo "corpus" lexical constituído por palavras e frases "impróprias", "indecentes" ou "indiscretas", acrescentando a recomendação de que o seu uso deve ser evitado. O discurso moralista parece ser predominante sobre o discurso normativo, mas o trabalho lexicográfico, consubstanciado no elenco recolhido de formas e frases a evitar, é tão quantioso que bem se pode equiparar às numerosas páginas da reflexão moral.
Manuel José de Paiva nasceu em Lisboa em 1706, formou-se em Direito, em Coimbra, e exerceu durante algum tempo a magistratura nas vilas de Odemira e de Avis, e depois a advocacia em Lisboa. Segundo a informação bibliográfica fornecida por Inocêncio (1. VI, 30 e 1. XVI, 244), escreveu, além das Infermidades, vários textos teatrais, comédias joco-sérias e obras moralistas. Do conjunto da sua obra parece poder delinear-se, a respeito de Manuel José de Paiva, um perfil de homem de letras moralista, amigo da tradição, com ideias generosas como a contestação da pena de morte, justamente quando ela era executada com requintes de escarmento público. As suas reflexões repercutem, de modo geral, o discurso do desengano e a literatura do apelo moral. Manifesta-se como um cavaleiro sozinho, sem nem sequer um Sancho Pança que o acompanhe e o distinga como herói e lhe conceda o estatuto de mestre. Ligado à ordem antiga, era já velho quando surgiu Pombal, não teria ânimo para assumir a renovação do pensamento e da arte literária que então se operava. Adopta um criptónimo singular - Silvério Silvestre Silveira da Silva -, que poderá ser entendido como uma alusão caricatural e crítica aos nomes poéticos dos árcades, os eruditos pastores do Monte Ménalo. Pela sua parte prefere a "imitação dos antigos poetas".
As Infermidades, sob o ponto de vista literário, são um exemplo excelente da literatura barroca, da literatura que termina o seu percurso durante o governo do Marquês de Pombal e que é substituída pelo Neo-classicismo, pela Arcádia (agremiação a que Manuel José de Paiva não pertenceu por incompatibilidade do seu credo poético e talvez, por falta de afinidade política). Em todo o caso tratase de um texto dotado de uma certa legibilidade, quer no respeitante à textura lexical, quer ainda na engenharia retórica em que predomina a acumulação, a enumeração e a simetria, tudo numa construção linear, com sóbrios encadeamentos, que se vão distanciando dos hipérbatos e dos artifícios da sintaxe latina. Oferece momentos de leitura agradável, com uma intertextualidade em que se repercute toda a enciclopédia da época, e muitos símiles de sabor antigo como o da comparação da língua com a espada.

Mas é sobretudo a riqueza do vocabulário e um especioso investimento retórico que fazem das Infermidades um texto merecedor de ser revisitado. Apresenta séries abundantes de sequências sinonímicas ou parassinonímicas e antonímicas."
(Fonte: https://ruc.udc.es/dspace/bitstream/handle/2183/2583/RGF-2-7.pdf?sequence=1&isAllowed=y)
Encadernação moderna em meia de pele com ferros gravados a ouro na lombada.
Exemplar em bom estado de conservação. Pequenos picos de traça marginais.
Raro.

115€

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