19 agosto, 2015

ALORNA, Marquesa de - PARAPHRASE DOS PSALMOS. Em Vulgar, por ALCIPPE, ou L. C. d' O. Hoje M. d'A. Tomo I. Lisboa: 1833. Na Imprensa da Rua dos Fanqueiros N.º 129 B. Com licença da Meza do Desembargo do Paço. In-8º (21,5cm) de [2], 194, [2] p. ; B.
Raríssima edição oitocentista da Paráfrase dos Salmos, publicada ainda em vida da autora. O Tomo I foi tudo o que se publicou desta edição de 1833.
“A paráfrase dos salmos levada a cabo por D. Leonor de Almeida Portugal constitui uma das facetas menos estudadas da sua obra: não só não tem despertado o interesse daqueles que se debruçaram sobre a sua poesia, como raramente surge mencionada na escassa bibliografia relativa às adaptações e traduções do texto bíblico para a língua portuguesa. É possível que este esquecimento se deva, em parte, à complexidade do tema: pelo facto de se tratar de um dos livros mais antigos da Bíblia e sendo constituído exclusivamente por poemas destinados ao canto, o Saltério suscita questões do ponto de vista ecdótico, estilístico e exegético cuja complexidade constitui um desafio para os estudiosos.
Existem três edições conhecidas da sua paráfrase – publicadas respectivamente em 1817, em 1833 e em 1844 [Obras Completas em edição póstuma] – revela que se tratou de um projecto desenvolvido em várias fases.
Na exposição que se segue, centrar-nos-emos na relação da Marquesa de Alorna com o texto dos salmos bíblicos. As informações que pudemos reunir sobre o assunto até ao presente levam-nos a ter em conta dois aspectos fundamentais: por um lado, a documentação existente permite situar o convívio de D. Leonor de Almeida com o Livro dos Salmos, na sua juventude e, por outro, o estudo comparativo das três edições conhecidas da sua paráfrase – publicadas respectivamente em 1817, em 1833 e em 1844 – revela que se tratou de um projecto desenvolvido em várias fases, no qual a autora trabalhou ao longo de, pelo menos, duas décadas. No tratamento destes dados, procuraremos reflectir acerca do significado que poderá ter a paráfrase dos salmos levada a cabo por Alcipe no contexto da sua biografia, no conjunto da sua obra, e no âmbito mais vasto da sua estratégia de actuação enquanto mulher de letras.
A primeira publicação de poemas de Alcipe inspirados no saltério intitula-se Parafrase a vários psalmos e verá a luz em 1817, na mesma casa editora (a Impressão Régia. A obra inclui apenas 11 textos: os sete salmos ditos penitenciais (VI, XXXI, XXXVII, L, CI, CXXIX e CXLII), os salmos CXXX, LXXI e XLIV e o «Cântico de Moisés» (Cantemus Domino, gloriose enim magnificatus est.) que era considerado pelos preceptistas, como vimos, como um exemplo sublime.
Entre esta primeira abordagem do saltério feita pela Marquesa de Alorna e a Paraphrase dos Salmos que a mesma publicará em 1833, decorre um amplo lapso de tempo durante o qual se verificaram profundas mudanças na organização política e na mentalidade dominante na sociedade portuguesa. A religião constituirá, durante as décadas de 20 e de 30 um grande tema de discussão, que envolverá todas as forças políticas e se reflectirá, necessariamente, num renovado interesse pela divulgação do texto bíblico.
Em 1833, ano da vitória das forças liberais, foi dada à estampa a Paraphrase dos psalmos em vulgar por Alcippe ou L. C. d’O. hoje M. d’A. Trata-se de uma obra que inclui as paráfrases em verso de cinquenta textos do Livro dos Salmos do qual supomos ter sido impresso apenas o I volume. D. Leonor de Almeida cumpria então 83 anos… […]
Recorde-se que apesar da sua avançada idade, a Marquesa de Alorna não se encontrava ainda, na época, completamente retirada da vida social. Sabemos por testemunhos contemporâneos que Alcipe frequentou e organizou em sua casa (e em casa do Marquês da Fronteira, D. José Trazimundo de Mascarenhas, seu neto) reuniões de poetas e de intelectuais pelo menos até 1836. Sabemos, assim, que na década de 30 a Marquesa era uma figura central da sociedade lisboeta, reconhecida por várias gerações de homens e mulheres de letras de diferentes percursos ideológicos, que viam a frequência do seu círculo de relações como um sinal de prestígio e de legitimação do talento. É, pois, numa época em que goza de renome e de aceitação nos meios intelectuais, e numa situação muito diferente daquela em que dera à estampa a sua primeira abordagem poética dos salmos, que D. Leonor publica a paráfrase completa do Saltério.”
(ANASTÁCIO, Vanda, «Alcipe e os Salmos», Via Spiritus, n.º 12 (2005) 109-153)
"Longos annos ha, que os Sabios, tanto Nacionaes como Estrangeiros, anciosamente pedião a publicação das Obras d’ALCIPPE; sem que até agora podessem alcançar da sua modestia Poeticos ensejos inspirados só para mitigar as magoas, e trabalhos da sua vida. Finalmente as instancias e rogos das suas Filhas, conseguirão tão precioso Thesouro, com o qual se propõe enriquecer a Literatura Portugueza. Talvez os pouco entendidos as accusem de cegueira e parcialidade; porém a opinião bem conhecida de Filinto Elysio, de Bocage, e mil outros Literatos, assim como a do insigne Prégador Regio Frei José Leonardo da Silva, da Ordem dos Prégadores, que lendo, e relendo com satisfação a bella Paraphrase dos Psalmos, que hoje se publica, exclamou
Quae David Hebreo, Luso tu carmine cantas:
Coelum Musa David, Alcippe ipse David!
arrojão longe de nós toda a suspeita de uma tal accusação. Acceitai pois benigna, ó Patria, o dom que o filial amor vos consagra! Haver-vos servido, como nos competia, seja o nosso prémio; assim como será sempre a nossa gloria o termos nascido Portuguezas, e
Filhas d’Alcippe."
1.º de Janeiro de 1833.
(Dedicatoria á Patria)
D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre, Marquesa de Alorna (1750-1839). "Nasceu em Lisboa, em 31 de Outubro de 1750 e faleceu na mesma cidade a 11 de Outubro de 1839. Era a primeira filha de D. João de Almeida Portugal, 4º Conde de Assumar e 2º Marquês de Alorna, e de D. Leonor de Lorena e Távora. Neta dos Marqueses de Távora, supliciados publicamente em 1759 por suspeitas de envolvimento no atentado ao rei D. José I ocorrido em 3 de Setembro de 1758, D. Leonor foi encerrada aos oito anos de idade, juntamente com a mãe e a irmã, D. Maria Rita, então com seis anos, no mosteiro de São Félix, em Chelas, nos arredores de Lisboa, no dia 14 do mesmo mês. Seu pai havia sido preso em 13 de Dezembro na torre de Belém tendo sido posteriormente transferido para o forte da Junqueira. A família permaneceria encerrada e separada durante dezoito anos, tendo sido libertada apenas em 1777, depois da morte de D. José I e do afastamento do Marquês de Pombal. […] A circunstância de ter crescido no convento marcou profundamente a personalidade e a obra de D. Leonor de Almeida, que viveu de forma dramática a separação do pai e do irmão, D. Pedro, colocado sob tutela directa do Marquês de Pombal, e se representará a si própria na sua obra poética, como um ser triste, marcado pelo infortúnio, vítima do despotismo e da tirania. […]
Tal como aconteceu com a grande maioria dos poetas seus contemporâneos, D. Leonor de Almeida não publicou em vida a sua poesia, que foi dada à estampa, em 6 volumes, por suas filhas Henriqueta e Frederica, em 1844, cinco anos depois da sua morte. Com o título Obras Poéticas de D. Leonor d’Almeida Portugal Lorena e Lencastre, Marqueza d’Alorna, Condessa d’Assumar e d’Oeynhausen, conhecida entre os poetas portuguezes pello nome de Alcipe, esta publicação inclui, para além das obras poéticas originais da poetisa, as suas traduções de Claudiano, Gray, Goethe, Bürger, Cronek, Metastasio, Milton, Thompson, Goldsmith, Lamartine, Klopstock, Wieland e pseudo-Ossian. A obra de Alcipe é extensa e multifacetada e constitui uma preciosa fonte de informações sobre os parâmetros estéticos que orientaram a poesia portuguesa na segunda metade do século XVIII e inícios do século XIX. Nela confluem, a nível estilístico, práticas herdadas da visão reformadora dos poetas da Arcádia Lusitana (1756), com outras opções formais mais antigas, que seriam retomadas pelos poetas da Academia de Belas Letras (1789), como a glosa, o improviso em estrofes de redondilha e as quadras de rima abcb, idênticas ás utilizadas nas modinhas e lunduns popularizados por Domingos Caldas Barbosa. Filha do Iluminismo, a Marquesa de Alorna entenderá a prática poética como uma actividade de utilidade moral e pedagógica, tal como acontecerá, aliás, com os escritores portugueses das gerações seguintes, que repetirão os mesmos pontos de vista até meados do século XIX (referimo-nos a Almeida Garrett, a Herculano e a António Feliciano de Castilho, por exemplo). É nesta linha que poderemos enquadrar as múltiplas referências aos progressos das ciências disseminadas na sua obra, as exposições em que procura demonstrar a compatibilidade entre a fé católica e as leis da Natureza (de que é exemplo cabal a Epístola a Godofredo), bem como a composição do poema Recreações Botânicas, as traduções da Arte Poética de Horácio, do Essay on Criticism de Pope, a paráfrases em verso de todo o Saltério e, até, as traduções de alcance político e teológico, como De Bonaparte e dos Bourbons de 8 Chateaubriand e o Ensaio sobre a Indiferença em Matéria de Religião de Lamenais dados à estampa em 1814 e em 1820, respectivamente. Com estes temas de reflexão convive, como aliás sucede com a generalidade dos poetas portugueses que escreveram na viragem do século XVIII para o XIX, a expressão da sensibilidade característica do século XVIII europeu, ou seja, o gosto particular pela descrição e encenação dos afectos que escapam ou resistem ao controle regulador da razão. É nesta linha de pensamento que devem ser situados, segundo cremos, os autoretratos pungentes em que o sujeito de escrita se representa como um ser perseguido pela desgraça, as descrições da natureza em termos melancólicos ou tenebrosos, o comprazimento na celebração ou encenação da morte, da noite, da doença, da dor e das lágrimas, tão frequentes na obra poética de Alcipe que lhe valeram o ser classificada como poetisa pré-romântica nos anos 60 do século XX. Contudo, uma visão global da sua produção literária que tenha em conta, simultaneamente, a prática dos poetas seus contemporâneos e daqueles que se lhe seguiram, parece indicar que tanto o gosto pelas regras, temas e motivos clássicos, como as manifestações da sensibilidade estão subordinados, nos seus textos, a uma visão do mundo orientada pelos parâmetros civilizacionais do Iluminismo, que encaram a razão e a virtude como entidades reguladoras dos afectos e a poesia como uma actividade ao serviço do ideal pedagógico de educação para a cidadania.”
(ANASTÁCIO, Vanda in www.fronteira-alorna.pt/pdf/biografia_alcipe.pdf)
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Capa original aposta sobre a capa da protecção em brochura que reveste o livro. Mancha de humidade transversal a toda a obra (desvanecida na maior parte do miolo), com particular incidência nas primeiras e derradeiras páginas do livro.
Muito raro.
90€

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