ALMEIDA, Eduardo d' - RECOLHIMENTO DO ARCANJO S. MIGUEL (alguns apontamentos para a história de Guimarães). [As Beatas do Chapéu]. Guimarães, Tip. Minerva Vimaranense, 1923. In-4.º (23x16 cm) de [4], 138, [23] p. ; il. ; B.
1.ª edição.
Importante monografia com interesse para a história da assistência social em Guimarães.
Ilustrada no texto com reprodução fac-símile de documento e fotogravuras relacionadas com a instituição, algumas delas em página inteira.
"O Recolhimento do Arcanjo S. Miguel em Guimarães não se refere a um local físico atualmente, mas sim a uma instituição histórica de cariz religioso e social, como documentado pela «As beatas do Chapéu», uma publicação da Casa de Sarmento referente ao século XIX. A instituição, associada à "Casinha", um centro de vida comunitária para mulheres idosas e necessitadas, foi um importante organismo de assistência social em Guimarães, mantendo a prática de recolher e assistir estas pessoas no contexto da devoção a São Miguel Arcanjo." (I.A.)
Livro muito valorizado pela dedicatória autógrafa do autor ao "ilustre Professor Dr. Agostinho de Campos".
Obra interessante e muito invulgar. A BNP não menciona.
Tiragem só de 200 exemplares todos numerados. O presente leva o n.º 167.
"A Guimarães, em que vivi criança (há mais perto de quarenta do que de trinta anos) tinha uma fisionomia muito sua e bem outra da cidade industrial de hoje, a enquadrar-se no insípido modêlo de todos os centros
urbanos, assolhada de clareiras e enviesamentos geométricos a tira-linhas, com panos ou tábuas de aúncios nas frontarias e palmeiras nos arrelvados... por onde o garotio, na mesma farrapagem, salta o ribaldeixo aos clamores de palavrório obsceno, e figurinhas insexuadas, de placas de tinha caspentas, magras como os cães que à roda arejam as escorrências do lixo, nascendo já idosas, se expulgam entediadamente.
urbanos, assolhada de clareiras e enviesamentos geométricos a tira-linhas, com panos ou tábuas de aúncios nas frontarias e palmeiras nos arrelvados... por onde o garotio, na mesma farrapagem, salta o ribaldeixo aos clamores de palavrório obsceno, e figurinhas insexuadas, de placas de tinha caspentas, magras como os cães que à roda arejam as escorrências do lixo, nascendo já idosas, se expulgam entediadamente.
Ao cair das trindades, os lampianistas marchavam, no ângulo estiradiço de robertos a vintém, escada ao ombro, acender os candieiros de petróleo, e, a êsse vagaroso piscar de lucernas discretas pela baça atonia do crepúsculo, quando já pela tenda continuava o folhetim da discussão política, muito puxada à sustância regedoral, na casinha de jantar, o burguês, de moiras de bezerra e meias de linha, servida a ceia - dadas as graças e as boas noites -, armava, num velório íntimo, o serão da família. [...]
As freiras das Capuchinhas ouviam-se na segunda-feira de pascoêlo, dia de Nossa Senhora dos Prazeres - acabam os serões e começam as merendas -, quando os fidalgos de Guimarães, os Lindosos altos e desempenados, de casaca e laço branco, traziam, em padiola, dos claustros, onde tinham recolhido ao luto quaresmal, as preciosas imagens de S. José e Nossa Senhora, agora no destêrro dum altar no Campo da Feira.
Cantavam lá no alto, ao fundo da igreja, por detrás dos cortinados espessos que cobriam as rexas apertadas do côro, num lacrimejante murmúrio de suave, dolorido resignação (mas donde um rústico e ingénuo perfume dimanava, fazendo pulsar mais brando o nosso coração de pecadores) e de esperança na aleluia de além-túmulo.
Não era a voz gorgeada, física, que se materializa na garganta, nem mesmo a voz pura de mulher, abrindo em adoração, como as rosas brancas aos oiros quentes do sol, ou os rifados melancólicos na ramaria, quando agoniza um dia de primavera; mas uma voz que não tinha corpo, voz da alma, que arroia em eflúvios espirituais, arco-íris de notas florindo em luz, e se quebranta e sobressalta na atmosfera grosseira
do mundo, e logo procura ascender e ilibar-se nas alturas, deixando só, quando passa, um perfume de saudade, uma caricia de divino, um adejar de ideal em doce mágua.
do mundo, e logo procura ascender e ilibar-se nas alturas, deixando só, quando passa, um perfume de saudade, uma caricia de divino, um adejar de ideal em doce mágua.
Nós hoje não compreendemos a paz dramática dos conventos. As nossas ideas, como a nossa vida, são tôdas rua, exterioridade, um botequim de azáfama balburdienta. Ensinaram-nos assim em furores de epilepsia. Rimo-nos da alma que sofre serenamente, na incurável desilusão das paixões, enclaustrada dentro dum túmulo de vivos. Ao nosso riso - ímpio e maldoso - chamamos liberdade, e é entre gargalhadas de pensamentos rubros e soltos que, por filosofia, abafamos a nossa dor mesquinha."
(Excerto do Preâmbulo)
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Com carimbo na capa e f. rosto, e selo de biblioteca na lombada.
Raro.
Sem registo na Biblioteca Nacional.
Indisponível


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