18 fevereiro, 2019

COSTA, Vieira da - ENTRE MONTANHAS (scenas da vida do Douro). Por... Lisboa, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 1903. In-8.º (19cm) de 493, [1] p. ; B. Col. Romances Nacionaes - III
1.ª edição.
Romance cuja acção decorre, sobretudo, no Praso das Mattas, vasta quinta vinhateira situada no Douro transmontano.
"Nos principios d'este ultima decada do seculo, que vae correndo, era motivo geral de curiosidade nas Caldas do Mollêdo, já entre os banhistas adventicios, já entre os indigenas interessados, a presença alli, em determinados dias, d'um rapaz para muitos desconhecido, e que de ordinario se apresentava com uma regularidade severa de funccionario escrupuloso. Viam-n'o sempre chegar a horas certas, pelo começo da tarde, ás vezes a cavallo, ás vezes no comboio, inteiramente vestido de luto aliviado, muito cuidado no seu vestuario e profundamente comedido nos seus modos. Tão comedido mesmo, que ninguem lograva atinas com a causa das suas visitas, para muitos inteiramente mysteriosas.
Era um elegante typo de rapaz, alto e delgado, de curtis mate, olhos castanhos e um fino bigode louro-escuro sobre a bocca séria, sensual e carnuda. Não tomava banhos, não visitava ninguem, não parára jamais em frente de qualquer janella: e como tambem não assistia a nenhum divertimento, - a nenhum baile ou soirée, a nenhuma reunião ou merenda, a nenhuma burricada ou regata - nem mesmo se podia dizer que o desejo de distracções o trouxesse á terra.
A verdade, porém, é que se muitas eram as pessoas que ignoravam quem elle fôsse, algumas havia, comtudo, que o conheciam a fundo, com grande precisão de pormenores illucidativos. E d'essas, o commendador Amaral Leitão era o mais instruido, e foi o que logrou desvendar o mysterio.
O tal rapaz, que elle conhecia tão bem como os seus dêdos - aquelles dêdos grossos, cabelludos, com um rico annel de brilhantes no fura-bollos da mão direita - chamava-se Affonso Duarte da Cruz Silveira, era vaccinado, tinha vinte e cinco annos de edade e 1,74 centimetros d'altura, rigorosamente medidos no estalão administrativo quando fôra á inspecção para soldado, de que, aliás, um numero alto o livrára. Pelo que respeitava a bens de fortuna, ou meios de a adquirir, possuia uma casa de moradia nas ribas do Douro, uma legua para oeste, em sitio ermo, com uma terreola annexa onde cultivava com aproveitamento couves gallegas e aboboras meninas, cebollinho e outras plantas hortenses e dois milheiros de cêpas muito cuidadas, que davam o melhor de doze pipas de vinho, bom anno, mau anno, ; tinha ademais uma commisão para compra de vinhos da respeitavel firma ingleza - Coley and Smith - Oporto - que negociava na especialidade; e como esperanças de futura prosperidade, possuia lá para as bandas de Murça um tio materno, septuagenario, doente e sem mais herdeiros. Sobre o luto, que elle trazia, não se sabia nada."
(Excerto do Cap. I)
José Augusto Vieira da Costa (1863-1935). "Nasceu em Salgueiral, concelho da Régua, em 14.3.1863. Aí morreu em 13.1.1935. Colaborou em vários jornais e revistas, nomeadamente na Ilustração Transmontana e em jornais do Brasil. Publicou os romances Entre Montanhas, A Irmã Celeste e A Familia Maldonado. Deixou organizado o romance O Amor, e a novela Sob a Folhagem. Já quase cego escreveu Portugal em Armas, publicado por ocasião da Grande Guerra. A cegueira deixou o na miséria pelo que a Câmara da Régua lhe estabeleceu uma pensão. O Dr. Fidelino Figueiredo publicou uma análise crítica sobre a sua obra."
(Fonte: http://www.dodouropress.pt/index.asp?idedicao=66&idseccao=555&id=2555&action=noticia)
Exemplar brochado em bom estado geral de conservação. Lombada fendida com alguns cadernos soltos. Deve ser encadernado.
Raro.
Indisponível

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