20 fevereiro, 2024

CHAGAS, M. Pinheiro - ASTUCIAS DE NAMORADA E UM MELODRAMA EM SANTO THYRSO.
Original de... Lisboa, Typographia Progresso, 1873. In-8.º (17,5 cm) de [6], 118 p. ; E.
1.ª edição.
Edição original desta obra invulgar, porventura das menos conhecidas do autor, que inclui duas novelas.
"Este livro é um livro de verão. Fez-se para ser lido á sombra de uma arvore copada, á hora do meio dia, quando póde prestar-se apenas á leitura uma vaga attenção, e quando portanto se querem livros de enredo ligeiro e risonho, que nem resolvam problemas, nem arripiem os nervos.
As Astucias de Namorada estão escriptas ha largo tempo. As aventuras do seu manuscripto davam assunto a outro romance. Teem de curioso o ser o seu entrecho baseado sobre um facto succedido realmente em Lisboa. Ha de haver leitores que o taxem de inverosimil, pois saibam que é verdadeiro. Mais uma vez tem razão Boileau.
Le vrai peut quelquefois n’etre pas vraiseblable.
O romance que fecha o volume, e que se intitula Um melodrama em Santo Thyirso, ponho-o aqui a titulo de curiosidade archeologica. Foi a minha estréia no jornalismo. Fundára-se a Gazeta de Portugal. Eu tinha conhecimento pessoal do seu proprietario, Teixeira de Vasconcellos. Procurei-o para lhe lêr o romance. Elle ia sair.
- Deixe-me vêr alguma coisa que lhe pareça melhor, disse-me elle.
Li-lhe tremendo a scena em que Eduardo descreve as physionomias dos litteratos lisbonenses. Teixeira de Vasconcellos rio-se, e tirou-me das mãos o manuscripto.
- Il y a quelque chose lá, continuou elle, isto para estreia basta. O seu romance ha de ser publicado.
E foi. Estava eu baptisado folhetinista."
(Excerto do Prólogo)
"Havia baile, ou antyes sarau dançante n'uma casa em Almada.
N'um pequeno jardim, que se espraiava até á beira dos rochedos pendurados sobre o rio, vinham os grupos dos convidados descançar um pouco das polkas e das valsas, respirar, e relancear os olhos pelo delicioso panorama do Tejo, em cujas aguas traçava a lua como uma estrada argentea.De quando em quando enchia-se o jardim de risos, de segredinhos; a lua illuminava por entre as folhas roupas alvantes, que passavam fulctuando como o véo dos sylphos; depois pelas janellas abertas da sala saía uma bafagem de harmonia, proveniente dos primeiros compassos d'uns lanceiros... [...]
N'um dos intervallos das polkas, e quando o jardim se povoava de novo com os fugitivos do baile, um par, mais fatigado talvez que os outros, veio sentar-se n'uma especie de caramanchão, que ficava na extremidade do jardim, mais proximo da orla do rochedo, e por conseguinte quasi suspenso, como um ninho de gaivotas sobre as aguas. Devo rectificar o que disse; não foram ambas as pessoas indispensaveis para formarem um par, não foram ambas as pessoas, que se sentaram; só o fez uma senhora de vinte e cinco annos talvez; alta, elegante, morena e viva, de olhos rasgados e cabellos negros, que scintillavam como o ébano á luz brilhante da lua cheia.
O cavalheiro ficou de pé, apesar de sua gentil companheira lhe ter visivelmente proporcionado um logar junto de si..."
(Excerto de Astucias de namorada - Cap. I)
Manuel Pinheiro Chagas (1842-1895). "Escritor português nascido a 12 de Novembro de 1842, em Lisboa, e falecido a 8 de Abril de 1895, na mesma cidade, Manuel Joaquim Pinheiro Chagas foi também um célebre polígrafo da segunda metade do século XIX, jornalista, poeta, novelista, historiador, dramaturgo, crítico literário e tradutor (de Ponson du Terrail, Alexandre Dumas, Octave Feuillet, Alfred de Vigny e Jules Verne, entre outros autores). Interessou-se pela política, tendo-se notabilizado como orador e tendo exercido os cargos de deputado pelo Partido Regenerador e de ministro da Marinha, em 1883. Ocupou, entre várias funções, o cargo de professor no Curso Superior de Letras, para o qual concorreu com Teófilo Braga. Em 1865, publicou o Poema da Mocidade, cujo posfácio, assinado por António Feliciano de Castilho, seu amigo, viria a suscitar a Questão Coimbrã, na qual Pinheiro Chagas tomou parte, com o opúsculo Bom senso e bom gosto. Folhetim a propósito da carta que o sr. Antero de Quental dirigiu ao sr. A. F. de Castilho, onde defendeu Castilho, contestando a novidade e a substância das ideias literárias sustentadas por Antero. Em 1869, publicou A Morgadinha de Valflor, que o notabilizaria como dramaturgo. Em 1871, interveio a favor do encerramento das Conferências Democráticas do Casino. Fundou, em 1876, o Diário da Manhã, mas colaborou em variadíssimos jornais e revistas, entre os quais O Panorama, Arquivo Pitoresco, Gazeta de Portugal, Jornal do Comércio, Diário de Notícias, A Ilustração Portuguesa, Revolução de Setembro e Artes e Letras. Neles assinou numerosos artigos de crítica literária, em parte recolhidos nos volumes Ensaios críticos e Novos ensaios críticos, de 1866 e 1867, respectivamente. Conhecido hoje em dia sobretudo pelo conservadorismo das posições assumidas contra a Geração de 70 e pelo convencionalismo da sua obra literária, excessivamente marcada pelo ultra-romantismo, Pinheiro Chagas mereceria porventura uma releitura, principalmente no tocante à sua produção como crítico literário.
Pinheiro Chagas deixou-nos livros magníficos, onde demonstra as suas imensas faculdades intelectuais, de entre os quais ressaltam títulos como A Flor Seca, Os Guerrilheiros da Morte, O Terramoto de Lisboa e A Mantilha de Beatriz."
(Fonte: Wook)
Encadernação coeva inteira de pele com ferros gravados a ouro na lombada. Sem capas de brochura.
Exemplar em bom estado de conservação, com um ou outro pico na lombada.
Raro.
20€

Sem comentários:

Enviar um comentário