"A
partir de uma opereta, a história amorosa dum soldado português, João
Ratão, que regressa da frente de batalha na Flandres, sendo envolvido em
intrigas motivadas pela inveja, quanto a Vitória, uma rapariga do povo
que namorara através de cartas escritas por outros...
Evocação do
patético cenário da guerra (1914-18), e a faina dos madeireiros, no
deslumbrante Vale do Vouga."
(Fonte: José de Matos-Cruz, O Cais do Olhar, 1999)
Livro ilustrado com fotogravuras a p.b., reproduzindo cenas do filme, distribuídas por 8 folhas separadas do texto.
"A
opereta «João Ratão», um dos grande êxitos do Teatro musicado
português, foi escrita por Ernesto Rodrigues, João Bastos e Felix
Bermudes. Fernando Fragoso e Jorge Brum do Canto adaptaram-na à tela.
Jorge Brum do Canto dirigiu o filme, que é uma produção da Tobis
Portuguesa."
(Excerto do preâmbulo)
"A faina começara pela
madrugada. Ainda havia estrêlas no céu, quando, no pinhal, sobranceiro
ao rio, os lenhadores romperam a vibrar, no sopé dos troncos, as
machadas compassadas, que se repercutiam, cavas e profundas, pelo vale, e
iam morrer lá em baixo, com o marulhar das águas no açude. [...]
O sol rompera. A neblina desfizera-se, pouco a pouco. [...]
Caíra
o último pinheiro. Ia começar a derrama. [...] E foi justamente à hora
do almoço, quando as marmitas fumegavam, alinhadas sôbre o brazido, que o
Zé Maria divisou, na curva do caminho, a figura bem conhecida de «Sô
Puxa», o carteiro da terra, fazendo esforços visiveis para subir a
ladeira, montado na sua bicicleta, que zig-zagueava pela estrada
poeirenta. [...]
Zá Maria, o capataz, a tôda a força dos pulmões, berrou lá do alto:
- Ó «Sô Puxa»! Há alguma coisa p'ra gente? [...]
«Sô Puxa» esquadrinhou a mala, a monologar entre os dentes:
- Que raio de gente esta! Todos querem cartas... e não sabem ler... Que faria, se soubessem...
E
rematou com o estribilho de sempre, que era, ao mesmo tempo, um
protesto e um desabafo, uma espécie de válvula de segurança da sua
irritação permanente:
- ... Puxa!...
E logo, numa transição:
- Aí vai o jornal - e estão com sorte...
Os grandes, um título doloroso e alarmante! Zé Maria abanou a cabeça, num mixto de tristeza e desaprovação, e comentou:
- Mais tropas nossas que vão para França!
Fez-se um silêncio. Um rapazote aloirado quebrou-o, numa voz onde se sentia a amargura da saudade:
- Ó sr. António?! Tem tido notícias do João?!...
Encostado
a uma árvore, olhar perdido na distância, como se quisesse penetrar os
segredos da imensidão, sr. António volveu, triste:
- Isso sim! Há três semanas que não recebo notícias! Pobre filho! Onde êle me foi parar!
Pelo
cérebro daqueles homens, passou, numa saüdade, a figura de João da Mó, o
mais insinuante, o mais alegre dos rapazes de Santiago da Ermida, o
João Ratão, orgulho dos seus pais, enlevo das moçoilas, o noivo de
Vitória, a mais bonita das raparigas, umas poucas de léguas em redor.
[...]
- Maldita guerra!
E
na serena tranqüilidade da serra, os homens, de machada em riste,
atacaram os pinheiros com o mesmo desespêro, com que, na Flandres,
outros homens se apostavam em abater almas cristãs."
(Excerto do Cap. I, Manhã na Serra)
"Havia
mêses que João Ratão se encontrava em França, no sector ocupado pelas
tropas portuguesas, na planície alagada e erma da Flandres. Partira um
dia de Portugal, empilhado num navio, com milhares de camaradas, num
grande barco cinzento, que era pequeno para conter tantos homens e tanto
material. Embarcara com a alma dilacerada, por deixar a sua terra., sem
esperanças de voltar. [...]
Foi
num dia nevoento e triste que chegaram a França. Chovia a bom chover.
Mas a população dispensara aos bravos soldados, que de tão longe vinham
em seu socôrro, uma recepção entusiástica! João Ratão, quando desfilara,
com todo o batalhão, pelas ruas empedradas do pôrto francês, entre alas
de povo, que festejava a chegada dos portugueses, sentira um arrepio.
Era alguém! Orgulhoso da sua missão, marchando com garbo e aprumo, João
Ratão deitava o rabo do olho às raparigas, que se alinhavam nos
passeios, ao longo das ruas. E que lindas carinhas! De si para si, João
pensou que a guerra, afinal, não era tão má como a pintavam...
Mas
enganara-se! Era pior e bem pior do que todos supunham. Quando chegou
às primeiras linhas e ouviu o troar do canhão teve mêdo! [...]
Havia
três dias já que o inimigo bombardeava sem cessar as posições ocupadas
pelas tropas portuguesas. Bombardeava, noite e dia, com regularidade,
batendo as trincheiras e a rectaguarda, com fôgo certeiro e cadenciado.
Os rapazes sabiam o que aquilo queria dizer: era o prelúdio duma
ofensiva, se não fôsse uma armadilha para outro sector, para um ataque
de surpresa. [...]
-
Temos dança! - comentou João Ratão para os seus companheiros, no
abrigo, onde o cimento e os sacos de areia os protegiam da chuva de
metralha. [...]
Durou
horas esta luta de morte na defesa das primeiras linhas. Uns após
outros, todos os ataques foram repelidos. E quando caiu a noite, sôbre o
campo juncado de mortos e moribundos, os portugueses mantinham intacta a
frente confiada à sua guarda.
João
Ratão foi dos que se ofereceram para a perigosa missão de recolher os
feridos na «terra de ninguém». Ouviam-se gemidos, ao longe, no silêncio
da noite, só perturbado pelo breve matraquear das metralhadoras dos
postos avançados."
(Excerto do Cap. IV, Nas Linhas de Fogo...)
Índice:
[Preâmbulo]. | [Explicação cinematográfica da obra]. | Distribuição do
Filme. | I - Manhã na serra. II - Carta do João. III - Primavera de
Amor. IV - Nas Linhas de Fogo. V - Boas Novas. VI - A Canção da
Mariette. VII - Dois Marotos. VIII - «Mademoiselle Frou-Frou». IX - A
provocação. X - Manuela diverte-se. XI - O arraial. XII - A Calúnia.
XIII - Desespêro. XIV - Dia cinzento. XV - A chegada do tenente. XVI - O
interrogatório. XVII - A Cruz de Guerra. XVIII - Desastre no rio! XX -
Epílogo.
Encadernação recente, em tela, com ferros gravados a ouro na lombada. Conservas capas de brochura.
Exemplar em bom estado de conservação.
Raro.
Com interesse para a bibliografia WW1.