07 janeiro, 2024

SOROMENHO, Augusto - DIWAN. De... [Porto], [Typ do Portugal], [1855]. In-8.º (17x11,5 cm) de [164] p. ; E.
1.ª edição.
Raríssima edição original deste livro de poemas "em que ecoam traços orientalistas". Primeira obra do autor, publicada quando contava apenas 22 anos de idade.
Em Notas, na parte final do livro, Soromenho "explica" alguns versos: "Depois de escriptos e impressos esses poucos versos que ahi ficam, intendi dever acompanhar varios d'elles com notas explicativas, porque, na verdade, em alguns ha um tanto de enigmatico e obscuro. Ahi vão, pois, as que julguei necessarias. O numero romano corresponde a uma poesia com egual numero."

Quem canta seu mal espanta;
Quem chora seu mal augmenta;
E eu canto para espalhar
Uma dôr que me-atormenta!

"Que horrivel noite! O vento, a chuva, tudo
Contra mim se-conspira!
Trevas no céu, e trevas sobre a terra;
Em volta de mim trevas!
Apenas vejo alem uma luzinha,
Signal mysterioso,
Que me-faz ir chuchar um aguaceiro
A troco d'um bilhete
Perfumado d'almiscar! – Triste coisa
É andar enamorado!
Eu quando penso no que tenho feito,
Por causa das mulheres,
Pasmo! E a luz? Sumiu-se! Era o correio
Que vae para a Amarante!
"

(XLV.)

"Eu estava, hontem de tarde, a ler o Fausto,
Deitado n'um sofá,
Quando senti abrir-se a porta e, rindo,
Entrar o diabo. "Olá!
"Por aqui, é milagre!" – Mal tu sabes
O que eu venho pedir. –
"Não; decerto. Vejamos." – É uma Biblia. –
E desatou a rir...
"Uma Biblia?!" disse eu. – E então, que pensas?
Não serei eu capaz
De a-lêr? Não póde haver um litterato
Chamado Satanaz? –
"Póde. Ahi tens... Mas que buscas"? – Eu t'o-digo:
Estive, ha pouco, a lêr
O Paraizo de Milton, e ha lá historias
Que eu não posso saber
Onde-as fosse buscar. Conta lá coisas
De mim, que nem eu sei;
E venho vêr então se n'esta Biblia
Acaso as-acharei. –
"Duvido” – E tu que lês? – "O Fausto." – O Goethe!
Esse foi mais ratão.
Ao menos, teve graça. O Mephistóphles
É um grande maganão.
O Fausto é que era um parvo. – "Assim ha muitos!"
– E tu também o-és. –
"Obrigado." – E assentou-se folheando
Os Livros de Moisés.

Passado tempo, volto-me, e, que vejo!
Deitado sobre o chão
O bom do Satanaz, que adormecêra
A lêr o Salomão!..."

(CVI.)

Augusto Pereira Soromenho (Apresentação, Aveiro, 1833 - Lisboa, 1878). "Mais conhecido por Augusto Soromenho, foi um professor, filólogo e escritor português. Adotou também o pseudónimo Abd-Allah e usou os nomes Augusto Pereira do Vabo e Anhaya Gallego Soromenho e os de Castro e Pedegache, afirmando que descendia de famílias nobres de Castela e do Algarve. Inocêncio Francisco da Silva lista o nome como Seromenho, grafia que o próprio não terá usado. Foi sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa e seu bibliotecário.
Considerado de génio volúvel e altivo, Camilo Castelo Branco, no 2.º volume do seu Cancioneiro Alegre, afirma que nunca viu ninguém com tantas artes para ganhar inimigos e que sacrificava os seus benfeitores àquilo a que a sua consciência chamava Justiça. O mesmo escritor afirma que o conhecera ainda muito novo e infeliz, ao que parece, sem protecção nem meios para se vestir e sustentar.
A incapacidade de manter relacionamentos dificultou-lhe sobremaneira a vida, por tinha poucos recursos, não os podendo obter da família, já que o pais, ao tempo director da alfândega de Vila do Conde, pouco o podia ajudar já que o emprego não seria muito rendoso.
Em 1855, com 22 anos de idade, publicou no Porto a sua primeira monografia, o volume de poesia intitulado Diwan, obra presentemente rara dada a escassa tiragem da edição.
Também por volta de 1855 obteve um modesto emprego na Biblioteca do Porto, onde durante os anos imediatos se dedicou ao estudo da história de Portugal e de arqueologia. Dos seus estudo resultou a publicação de numerosos artigos avulsos em diversos periódicos, que complementava com artigos de crítica literária. Entre estes últimos artigo dedicou alguns a acusações de plagiato, de que resultaram azedas polémicas.
Em inícios de 1858 conheceu Alexandre Herculano, que ao visitar a cidade do Porto o encontrou e ficou impressionado com os seus conhecimentos dos clássicos e da língua portuguesa, reconhecendo nele um mancebo de muito talento, muito estudioso e já então muito erudito. Desse encontro resultou ser convidado por Herculano para se transferir para Lisboa e passar a colaborar nos seus trabalhos de história de Portugal. Aceitou e a partir de meados de 1858 passou a trabalhar na biblioteca da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Augusto Soromenho foi um dos conferencistas das Conferências do Casino, nas quais a 6 de Junho de 1871 dissertou sobre A Literatura Portuguesa Contemporânea. Antes dele falara Antero de Quental e depois Eça de Queirós e Adolfo Coelho.
Foi feito sócio correspondente da Academia Real de Ciências e bibliotecário da mesma Academia, tendo nestas funções sucedido a Alexandre Herculano na coordenação da obra Portugaliæ Monumenta Historica. Apesar disso, e seguindo o seu padrão de relacionamento difícil, acabou por cortar relações com o seu antigo protector Alexandre Herculano, que em retaliação lhe cortou o acesso ao acervo da Torre do Tombo. Também no que respeita à Academia das Ciências, após múltiplas disputas, especialmente depois de uma grave pendência com o matemático Daniel Augusto da Silva, foi obrigado a demitir-se de sócio para evitar a expulsão.
Augusto Soromenho faleceu em 9 de Janeiro de 1878, vítima de tuberculose pulmonar. A revista literária O Ocidente publicou uma pequena biografia e o seu retrato. Deixou uma vasta obra em prosa e verso dispersas por múltiplos periódicos e inéditos muitos manuscritos."
(Fonte: Wikipédia)
Belíssima encadernação meia de pele com rótulos, nervuras e dourados na lombada. Conserva as capas de brochura.
Exemplar em bom estado de conservação. Corte superior carminado. Dedicatória (não do autor), no verso da f. ante-rosto, ao distinto médico e bibliófilo aveirense Manuel Lavrador.
Muito raro.
Peça de colecção.
150€

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